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A política fiscal gaúcha será sustentável após as reformas do governo Leite?

Após as reformas encaminhadas pelo governo Leite, é preciso resolver o imbróglio da dívida estadual. A adesão ao Regime de Recuperação Fiscal (RRF) exige uma análise mais acurada da sustentabilidade da política fiscal de médio e longo prazo.

Os desequilíbrios entre os fluxos de receitas e despesas do orçamento estadual serão, possivelmente, atenuados com as Reformas Previdenciária e Administrativa, as mudanças no plano de carreira do magistério estadual e as privatizações de estatais (CEEE, por enquanto). Contudo, até quando os gastos obrigatórios e discricionários serão contidos sem reposição de parte da inflação. Como já observou o Professor Cláudio Accurso, não se pode esquecer que a função de produção dos governos locais é feita por serviços prestados a população, logo está se falando em salários e não em capital.

Desde 1998, o Estado vem sendo monitorado pelo Programa de Ajuste Fiscal e manteve-se com a Dívida Consolidada Líquida elevada, não atingindo a meta de 200% da RCL. A partir de 2015, fragilizou sua situação financeira de forma evidente, mesmo tendo sua política fiscal supervisionada pela União. As administrações estaduais procuraram implementar as metas acordadas, obtendo sucessivos superávits primários entre os anos de 2005 e 2013 (Balanços Gerais do Estado). Todo esse esforço foi perdido com a elevação da despesa com pessoal na área da segurança pública, a partir de 2014, e com o crescimento contínuo das inativações. Os resultados positivos foram retomados em 2018, sendo expressivo em 2020 (0,61% do PIB estadual).

Em termos gerais, do ponto de vista da condução da política fiscal, no caso gaúcho, é preciso afirmar que diversas políticas financeiras equivocadas foram utilizadas para financiar os déficits orçamentários, aliadas às leis de pessoal de cunho expansionista e às normas previdenciárias benevolentes. Isso contribuiu para levar a liquidez financeira do Tesouro Estadual ao fundo do poço.

O recorrente tema da dívida estadual
A origem e a evolução histórica da dívida do setor público do RS, assim como seus fatores determinantes, já foram amplamente discutidas em textos premiados pelo Tesouro Nacional, em especial em Calazans e Santos (1999), Calazans, Brunet e Marques Júnior (2000) e Santos e Santos (2005). Igualmente relevantes merecem destaques os trabalhos de Moura Neto (1994), Marques Júnior (2005 e 2011), Marquetti e Nova (2009) e Santos (2014). Alguns capítulos do livro de Calazans e Santos (2021) trazem uma abordagem mais ampla e atualizada sobre o tema.

Santos (2014) e (2021, capítulo 6) tem enfatizado que a principal causa do endividamento gaúcho foram os déficits fiscais ao longo de 28 anos (1970-98), relacionando-os a falta de disciplina fiscal dos governos. Estes continuaram negativos até 2004, tornando-se positivos até 2013 devido à política de ajustamento das contas estaduais. Depois de 2014, o RS entrou em situação fiscal “falimentar”, incapaz de honrar mensalmente os pagamentos básicos de despesas obrigatórias. Segue daí a recomendação de que a estratégia da política fiscal seja centrada sobre o controle de gastos públicos (“”) ou aumento de receitas (“”), visto que o orçamento público tem que gerar superávits primários crescentes para saldar os compromissos com a dívida existente.

Nos últimos anos, não havia muita confiança entre os técnicos da Secretaria Estadual da Fazenda sobre a real capacidade do Estado de gerar resultados positivos elevados e persistentes por vários anos, sem a imposição de teto aos gastos públicos e a implantação da reforma previdenciária. Na prática, o eixo da política fiscal consistiu em espremer os gastos obrigatórios e os investimentos até o limite possível, ou esperar que o crescimento da economia gaúcha se elevasse a taxas chinesas (Braatz, Martinez e Petry, 2017). O aumento de impostos foi a solução escolhida para contornar a crise financeira.

Em uma abordagem mais teórica, com ênfase na restrição orçamentária intertemporal dos governos, Marquetti e Nova (2009) realizaram simulações sobre a evolução da dívida pública para o período 2007–2014, não encontrando um cenário muito animador para as finanças estaduais. Para eles, a opção por uma política fiscal restritiva não seria a melhor solução para resolver a crise das finanças estaduais, mas isso dependeria da situação macroeconômica do País. A taxa de crescimento do PIB estadual seria a variável para a solução do modelo teórico, dado os desequilíbrios de fluxo entre receitas e despesas públicas no orçamento estadual. Além do crescimento da economia gaúcha, seria necessário a realizar o ajuste fiscal e retomar a negociação com a União como caminho para resolver o processo de acumulação da dívida.

Calazans (2021, capítulo 5), sem desconhecer a falta de disposição de muitos governos para o ajuste fiscal e a necessidade de controle de gastos públicos, centra sua preocupação nas variáveis financeiras: taxa real de juros (), maturidade da dívida e sistema de amortização.

Em primeiro lugar, a fixação da taxa de juros básica (Selic) e sua repercussão sobre sua estrutura a termo transcende a capacidade de gestão dos governos locais. Recentemente, vimos que a queda da taxa básica de juros é crucial para a redução dos custos de carregamento da dívida, ainda que o Governo Federal tenha retomado a velha prática de elevação da Selic. O juro de 6% ao ano, definido nos Acordos de Renegociação em 1998, foi elevado se for considerada as dificuldades financeiras enfrentadas pelos governos subnacionais após a crise internacional de 2008. Por esse motivo, ele foi revisto tardiamente em 2014.

Em segundo lugar, o resultado da trajetória de expansão real das dívidas subnacionais no período de implantação do Plano Real deve-se, em boa medida, à política monetária do Governo Central que ajudou a elevar o saldo das dívidas refinanciadas, embora tenha proporcionado a redução dos custos de carregamento vis-à-vis às elevadas taxas de juros praticadas durante a fase inflacionária anterior à estabilização dos preços.

Tomando-se como exemplo o caso gaúcho e decompondo-se a expansão da dívida entre crescimento real e erosão inflacionária (Anexo 1), é possível visualizar que a implantação do Plano Real, em 1994, levou à queda do imposto inflacionário (menos de 1% do PIB) e à erosão inflacionária existente sobre os saldos das dívidas mobiliárias. A política monetária de juros reais praticadas pelo Banco Central, aliada à política de câmbio fixo, manteve as dívidas mobiliárias dos estados em patamares elevados até a assinatura dos instrumentos contratuais de refinanciamento em 1998.

É bom lembrar que, entre 1994 e 1998, a taxa Selic atingiu 128,51% em termos reais (medida pelo IGP-DI) ou 118,51% (pelo IPCA), havendo a duplicação do patamar da dívida fundada do Estado do Rio Grande do Sul.

Em valores atualizados, a dívida fundada da Administração Direta do RS duplicou de R$ 24 bilhões em 1994 para R$ 51 bilhões em 1998. Em dezembro de 2020, atinge R$ 81,3 bilhões. Se a medida considerada for a definida pela Lei de Responsabilidade Fiscal, a relação Dívida Consolidada Líquida/RCL, nunca caiu abaixo de 200% da RCL desde 2000.

O Gráfico 1 mostra a série temporal da dívida fundada do RS, diferenciada (Diff =1), mostrando que ela é estacionária. Suas oscilações foram estabilizadas após a assinatura do acordo de refinanciamento em 1998, passando a seguir um caminho não explosivo. Em tese, o sistema de amortização foi equivocado, sendo que a taxa de juros (6% ao ano + IGP-DI) teve que ser substituída pelo próprio Governo Federal por 4% ao ano + IPCA (ou Selic) em 2014.

No caso gaúcho, como a dívida refinanciada não foi plenamente amortizada, derivou-se para um esquema de acumulação de dívida. Os Estados de Minas Gerais e do Rio de Janeiro conseguiram amortizar suas dívidas, todavia passaram a contrair novas operações de crédito, enquanto o RS teve sua capacidade de endividamento tolhida até 2014, já que tinha ultrapassado seus limites de endividamento.

Por esse motivo, tenho insistido que os requisitos da sustentabilidade fiscal foram se exaurindo no decorrer de várias décadas e ficaram evidentes com o risco de insolvência financeira verificada a partir de 2015. No período 1970-2020, somente entre 2005 e 2013 (média de 0,5% do PIB) e entre 2018 e 2020, o RS registrou superávits primários (acima da linha), caracterizando sua trajetória pela baixa capacidade de geração de poupança primária. Os resultados positivos de 2018-20 tiveram a contribuição da majoração das alíquotas de ICMS. A pico da série histórica do primário foi de 1,1% do PIB em 2007, equivalente a R$ 2,2 bilhões em valores nominais.

A liquidez financeira se deteriorou com a recessão econômica e o baixo crescimento verificado no período 2015–20, devido à falta de disponibilidades financeiras de curtíssimo prazo para atender compromissos mínimos, não tendo plena capacidade de honrar o serviço da dívida. Há um interminável ajuste das contas estaduais, mesmo ocorrendo a supervisão da União.

Cabe aqui tornar explícito o conceito teórico de sustentabilidade fiscal. A sustentabilidade fiscal exige que o saldo atual da dívida seja igual ao valor presente dos resultados primários futuros, escolhida uma dada taxa de desconto.

É um conceito bem conhecido em economia do setor público — ver os trabalhos de Rocha (2005) e Costa (2009). Seria uma grande medida de transparência dos órgãos estaduais divulgarem os cálculos relativos aos requisitos de sustentabilidade fiscal, os quais embasam suas análises sobre a situação financeira do RS. Além disso, servirão de defesa para uma possível adesão ao Regime de Recuperação Fiscal. Se esses cálculos fossem apresentados, com o histórico de baixa geração de resultados primários positivos do RS, se poderia analisar os parâmetros econômicos utilizados e verificar sua aderência à realidade das contas estaduais.

Em caso de adesão ao RRF, seria como trocar uma dívida refinanciada (Lei n.º 9496/97) de R$ 69,1 bilhões por outro refinanciamento de R$ 135 bilhões, sendo sempre um bom negócio para a União. Trata-se de um típico caso de acumulação de dívida (Calazans, 2021).

Sem uma base de dados oficiais para estudar a projeção dos resultados primários futuros do RS em anos, é possível buscar na modelagem teórica e no cálculo financeiro uma aproximação ao cenário futuro das contas estaduais. Dada conjuntura de incerteza da economia brasileira, torna-se muito complicado assumir uma única curva de projeção de primários futuros com mais de 10 anos, por exemplo.

(Continua)

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Artigo de autoria do economista, auditor-fiscal aposentado da Secretaria da Fazenda do RS, Roberto Balau Calazans, publicado no blog "FinançasRS".