programa nacional de prevencao l ogo

Logo ENEFlogo programa prevencao corrupcao150

Política Monetária na Atualidade

A ciência evolui com o tempo. Isso implica que os procedimentos recomendados para tratar dos problemas evoluem na medida em que o conhecimento científico avança. É assim em todos os campos da ciência. Na medicina, por exemplo, há 30 anos, quando um paciente tinha as artérias entupidas por excesso de colesterol, os médicos recomendavam a colocação de “pontes de safena”. Após alguns anos ficou claro que a veia safena não era adequada para esse fim, pois ela voltava a entupir em um espaço de menos de uma década. Passou-se então a utilizar “pontes da artéria mamária”, essas sim, muito mais resistentes a entupimentos por excesso de colesterol. Mas ainda era necessário abrir o peito do paciente para a implantação de pontes de artéria mamaria, o que implica serrar o externo e parar o coração do paciente, com o estabelecimento de circulação extracorpórea. A medicina evoluiu ainda mais e, atualmente, os entupimentos cardíacos são tratados por um procedimento quase ambulatorial de colocação de “stents”, com a utilização de um cateter inserido pelo braço ou pela virilha.

A mesma evolução de procedimentos, decorrente de um ganho de conhecimento científico, ocorreu no combate à inflação. O procedimento usado para combater a inflação é o que os economistas costumam chamar de política monetária. Até os anos 80, havia muita discussão sobre qual deveria ser a postura de um Banco Central (BC) no combate à inflação. Deveria o BC seguir alguma regra fixa, ou deveria o BC agir com discricionariedade (flexibilidade) escolhendo, a cada momento, um procedimento diferente para controlar a inflação? Essa discussão foi praticamente encerrada, no início dos anos 80, com o artigo seminal de Barro e Gordon (1983). Ficou claro que seguir uma regra de combate à inflação era superior à discricionariedade. Superior no sentido de que o custo para a sociedade em termos de perda de atividade era menor sob regras do que sob discricionariedade. Com regras os BCs conseguiriam melhor resultado, isto é, uma inflação mais baixa com um custo menor em termos de atividade.

Mas o debate não parou aí, pois não estava claro qual era a “regra ótima”. Isto é, qual das possíveis regras a serem seguidas pelo BC poderia manter a inflação baixa gerando o menor custo para a sociedade. Usando o jargão da economia, ficou clara a superioridade de ter uma regra monetária, mas não se sabia ainda qual deveria ser o instrumento a ser usado pelo BC nessa regra. Ao longo dos anos 80 e 90, vários países implementaram diferentes arranjos de política monetária utilizando diferentes instrumentos. Os Estados Unidos usavam a taxa de juros de curto prazo (fed funds) como instrumento de política monetária para satisfazer a regra de “to foster maximum employment and price stability”. Já o BC alemão preferia usar uma regra referente à quantidade de moeda em circulação. A regra do Bundesbank era “pre-announcing targets for the growth in broad money (M3)” e o instrumento de consecução da regra era o controle do agregado monetário M3, que inclui a base monetária, os depósitos a prazo e os títulos públicos de alta liquidez. A dúvida sobre o instrumento consistia, na verdade, em saber se o instrumento a ser usado seria uma quantidade (volume de liquidez) ou um preço (a taxa de juros).

Além dessas duas opções básicas de instrumentos (preço da moeda ou quantidade de moeda), outras formas alternativas de política monetária foram experimentadas na prática por diferentes países. No Brasil, por exemplo, entre 1994 e 1998, o período conhecido como Plano Real, o instrumento de controle da inflação era a taxa de câmbio, que seguia uma regra “quase fixa” em relação ao dólar.

A experimentação prática de diferentes países com esses variados procedimentos de combate à inflação (isso é, diferentes tipos de política monetária) acabou gerando um novo consenso, inicialmente retratado por Taylor (1993) e, posteriormente, formalizado de forma acabada em Woodford (2003): o chamado Sistema de Metas de Inflação (SMI). Atualmente muitos BCs, incluídos aí os BCs dos EUA, da União Europeia, do Canadá, Austrália, Nova Zelândia, Reino Unido, Chile, Colômbia e do Brasil, passaram a usar o SMI. Há uma regra de que a inflação não deve ficar nem muito acima nem muito abaixo (há um intervalo de tolerância) de um certo valor escolhido pela autoridade política do país (no Brasil são 3,25% nesse ano e 3% em 2024). Após essa escolha de uma meta de inflação, a autoridade política deixa a cargo do BC gerenciar a taxa de juros (no Brasil, a Selic) para tentar fazer com que a inflação fique o mais perto possível da meta.

Um elemento chave do SMI é a chamada taxa de juros neutra, também referia como taxa de juros natural ou taxa de juros estrutural. O taxa de juros neutra é aquela taxa de juros real (isso é, descontada a inflação prevista para os próximos 12 meses) que é compatível com a meta estabelecida. Dito de outra forma, é o juro real que, se vigorar atualmente, fará com que a taxa de inflação atinja o valor da meta de inflação no futuro próximo (algo entre 12 e 24 meses). Há diferentes estimativas para o valor do juro real neutro para a economia Brasileira, usualmente no intervalo de 4,0% e 6,0% ao ano.

Da simples definição do que é o juro neutro (aquele que é compatível com a meta de inflação), fica claro que, se a inflação prevista está acima da meta, o juro real presente deverá estar acima do juro neutro, e vice-versa, isto é, se a inflação prevista estiver abaixo da meta, a taxa de juros real deveria ser estabelecida para ficar abaixo do juro neutro. Dizemos que a política monetária é expansionista quando a taxa de juros real está abaixo do juro neutro e, alternativamente, contracionista quando a taxa de juros real estiver acima do juro neutro. Em um exemplo simples, se a meta de inflação é de 3% e o juro neutro é de 5%, a taxa de juros nominal (Selic) de 8% seria a referência para a política monetária. Assim, se o BC espera que a inflação fique acima da meta de 3%, ele terá de estabelecer uma taxa Selic acima de 8%, e vice-versa.

Note que cabe ainda ao BC estabelecer a “dosagem do remédio”. Tomando o exemplo numérico acima, cabe ao BC determinar em quanto a Selic deverá ultrapassar os 8%.  Obviamente o tamanho da “dosagem do remédio” depende das condições concretas em cada momento do tempo. Assim, se a inflação esperada superar em muito a meta, a Selic terá de subir substancialmente acima da taxa neutra. Outra variável relevante para a “dosagem dos juros” é saber o prazo no qual o BC pretende trazer a inflação para a meta. Novamente, no caso concreto do BC do Brasil, esse prazo, anunciado nas atas do Copom, é de 6 trimestres, ou 18 meses. Novamente, quanto mais rápido o BC quiser trazer a inflação para a meta, maior deverá ser a Selic real em relação à taxa neutra.

Os exemplos numéricos acima são todos baseados na ideia de uma meta de inflação 100% crível. Considere agora uma situação em que a credibilidade da meta de inflação é parcial. Ou seja, a meta inflacionária oficial é de 3%, mas os agentes econômicos acreditam que, na verdade, há uma tolerância extra e o BC persegue uma meta de 4%. Para uma mesma taxa de juros neutra de 5%, a Selic nominal compatível com a meta sobre de 8% para 9%. Agora, se o BC realmente quiser trazer a inflação para 3% (a meta oficial), terá de estabelecer uma taxa Selic acima dos 9%. Esse exemplo deixa claro a importância da credibilidade na condução da política monetária. Quando o BC perde credibilidade, o custo em termos de juros de conseguir atingir a meta de inflação fica mais elevado.

Por fim, cabe ainda comentar que a condução da política monetária depende ainda do tamanho do estímulo fiscal que outra agência do governo (o Tesouro Nacional) dá a economia.  Em outras palavras, a política monetária está relacionada à condução da política fiscal. Isso porque o efeito dos juros sobre a atividade e a inflação depende da política fiscal. Novamente, há um efeito aqui sobre a “dosagem do remédio”. O tamanho da diferença entre taxa de juros real e o juro neutro vai depender, como dito anteriormente, da diferença entre a inflação prevista e a meta e do período de tempo no qual o BC pretende fazer essa convergência, mas também do tamanho do estímulo fiscal que está sendo produzido pelo Tesouro Nacional. Assim, se a inflação prevista está acima da meta e, ao mesmo tempo, há um estímulo fiscal, a Selic real terá de ficar mais elevada do que seria o caso na ausência do estímulo fiscal.

O Sistema de Metas de Inflação é um mecanismo de coabitação entre a autoridade política, que representa a sociedade e estabelece dois elementos centrais, a saber, escolhe a meta de inflação e o tamanho do estímulo fiscal, e o BC, a quem cabe determinar uma taxa de juros real que fique, muito ou pouco, acima ou abaixo, do juro neutro, sempre com o objetivo de fazer a inflação prevista convergir para a meta de inflação.

 

Referências

Barro, R.J. and Gordon, D.B. (1983), “Rules, discretion and reputation in a model of monetary policy”, Journal of Monetary Economics, vol. 12, pg. 101-121.

Taylor, J. (1993), “Discretion Versus Policy Rules in Practice”, Carnegie-Rochester Conference Series on Public Policy number 39,  195-214, North-Holland.

Woodford, Michael (2003), Interest and prices: Foundations of a theory of monetary policy, Princeton University Press.

 

Artigo de autoria do professor e economista Marcelo S. Portugal (UFRGS e CNPq).