Vagas para Economistas

Professor de Economia
 
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DESCRIÇÃO DA VAGA
Estamos buscando um professor de economia para compor o nosso time.

Introdução à Economia
Curso Profissionalizante
Localidade Cachoeirinha
Horário das 19h. às 22h.
Enviar Currículo: j.pinto@terra.com.br

Do distanciamento social ao trabalho remoto

José Junior de Oliveira
Economista, presidente do Corecon-RS, vice-presidente da Associação dos Analistas e
Profissionais de Investimento do Mercado de Capitais (Apimec-Sul), professor Universitário

Corecon-RS Nº 5500

Como iniciou a ideia do home-office com os servidores do Conselho, iniciada há alguns meses?

A ideia surgiu da necessidade de distanciamento social provocada pela pandemia do novo Coronavírus. A partir de meados de março de 2020, a situação estava presente e tínhamos que decidir por preservar a saúde dos servidores sem comprometer o andamento das atividades do Conselho, principalmente nesse período do ano que é onde entra a grande maioria de nossas receitas de anuidades e também novos economistas que estão se formando nas Universidades. Ou seja, nossos serviços não poderiam parar, mas teríamos que nos adaptar a essa nova realidade.

Como foi a receptividade por parte dos servidores?

A receptividade foi excelente, principalmente por considerarem que nosso intuito era, em primeiro lugar, preservar a saúde dos colaboradores, mas não poderíamos deixar de atender os economistas e dar continuidade nos trabalhos e isso foi muito bem entendido pela equipe.

O home office está conseguindo atender a todas as demandas dos economistas?

Aqui é importante destacar que essa situação que estamos vivendo fez, não somente o Conselho, mas todas as empresas, órgãos públicos e privados, repensarem a maneira de trabalhar. O Home Office não era a nossa realidade e isso não estava no radar, por isso não estávamos preparados para o teletrabalho. Agora, as atividades vêm sendo realizadas quase que totalmente de forma remota, com os colaboradores acessando o computador central direto de suas casas. Ainda existem algumas atividades, em torno de 5%, que ainda não podem ser realizadas de casa, o que irá ocorrer em seguida. Acredito, sim, que vem atendendo bem os economistas, mas é evidente que precisamos aprimorar. O que pode ocorrer ainda nesse momento de transição e de adaptação a essa nova realidade é demorarmos um pouco mais para atender a todas as solicitações, mas nosso objetivo é atender a todas as necessidades dos nossos colegas economistas e melhorar o atendimento conforme vamos nos adaptando.Ainda temos algumas atividades que necessitam ser realizadas fisicamente, mas o importante é que, gradativamente, estamos evoluindo para que tudo possa ser realizado remotamente. Evidente que isso envolve uma série de atitudes e investimentos a serem realizados, como em tecnologia de informação, segurança dos sistemas e disponibilidade dos servidores que acataram muito bem essa nova forma de trabalhar. Mas todas as demandas dos economistas estão sendo, e devem ser atendidas, desde que dentro do escopo de atuação do Conselho.

O que levou o Conselho a avançar para o trabalho remoto?

Inicialmente, como colocado acima, o que nos levou ao trabalho remoto foi a necessidade de fazer com que os servidores pudessem trabalhar, sem se exporem ao contágio da Covid-19. Então, a partir do bom andamento das atividades e de verificarmos que, em alguns casos aumentamos a produtividade e a eficiência do trabalho, conseguimos inclusive otimizar processos e repensar muitas tarefas que eram feitas de maneira menos produtiva e eficiente, entendemos que estamos obtendo ganhos.

O Corecon-RS tem sido pioneiro em uma série de iniciativas. Já participou de formaturas on-line, está promovendo reuniões-plenárias virtuais, as lives, trabalho remoto. Tudo, com resultados muito positivos. Qual o próximo passo, enquanto perdurar esse cenário de pandemia?

Bem, o que estamos conseguindo fazer é atuar para que o Conselho desempenhe seu verdadeiro papel, que é atender e estar do lado dos nossos colegas economistas para que se sintam acolhidos pela Entidade que os representa. Acredito que o grupo de colaboradores é excelente e absorveu a ideia dessa nova forma de trabalhar. Também não posso deixar de destacar o papel fundamental do nosso vice-presidente Aristóteles Galvão, que não tem medido esforços e dedicação para a Entidade, desde a idealização e atuação nos vídeos e lives, nas redes sociais e na parte administrativa do Corecon. Estamos buscando a cada dia ficar mais próximos das Universidades e dos novos e futuros economistas, pois eles serão o futuro da nossa profissão e do seu órgão de representação. Também, não posso deixar de destacar que os Conselheiros têm nos apoiado de forma incondicional nesses trabalhos que são de todos e para todos os economistas. Fomos pioneiros em muitas coisas e atuamos na crise para que o Conselho tenha o protagonismo necessário e desenvolva seu papel. Acredito que com o cenário que estamos vivendo, teremos muitos novos passos, pois estamos aprendendo a cada dia. Entendemos que a partir dessa pandemia trabalharemos de maneira diferente. O mundo não será mais o mesmo e precisaremos estar adaptados. Essa versatilidade que conseguimos apresentar deve nortear nossos próximos passos, que devem seguir na linha de melhorar o acesso aoConselho e serviços para os economistas através da web (site), redes sociais e canais que possibilitem nos aproximarmos cada vez mais dos economistas, que são a razão de existir do Corecon-RS.

Reservas brasileiras em cenário de pandemia


Fábio Pesavento
Economista, professor da ESPM
Corecon-RS Nº 6562

 

 

Como está se comportando a balança comercial do Brasil neste cenário de pandemia?

Os efeitos da crise econômica causada pela pandemia do Covid-19 levaram os agentes econômicos a uma profunda revisão de suas estimativas para o desempenho da economia em 2020. Os primeiros sinais da intensidade do impacto do distanciamento social sobre a atividade econômica são visíveis e preocupantes. O Fundo Monetário Internacional (FMI), por exemplo, aponta uma queda de 11% no comércio internacional. No Brasil não será diferente e, para piorar, o preço dos principais produtos que o Brasil exporta (commodities) estão caindo em função da projeção de uma demanda global menor ao longo deste ano. A boa notícia vem do câmbio que tende a ficar desvalorizado, compensando parte do arrefecimento no preço de produtos importantes na nossa pauta de exportação. O volume exportado até o final de maio está bom, contudo, o preço mais baixo acaba reduzindo o valor das exportações brasileiras. Apesar disso, a balança comercial deve fechar o ano positiva, na medida em que a queda nas exportações será menor que o tombo das importações (que está sentindo a forte retração da atividade econômica interna). Esse movimento já pôde ser visto em abril e maio, e deve prosseguir no curto prazo.

O que nos aguarda no mundo pós pandemia com a guerra comercial entre EUA x China?

Quando os efeitos do isolamento arrefecerem, um ponto importante, e que estava interferindo antes do Covid-19 na nossa pauta externa, será a guerra comercial entre EUA e China, que voltará ao debate. Temporariamente interrompido pela Covid-19, sua retomada pode prejudicar o fluxo de comércio em função da ampliação do protecionismo. Em resumo, o câmbio tende a continuar beneficiando as exportações, por outro lado, a expressiva retração da economia mundial e o possível aumento de medidas de restrição ao comércio, podem prejudicar nosso desempenho comercial externo no curto e médio prazo. Esse cenário fica menos animador quando observamos os desdobramentos de uma política externa que foge do padrão que quase sempre foi adotado pelo Brasil. É o tempero final, com gosto amargo, que pode colocar em xeque as relações com a China, além de prejudicar o andamento de acordos comerciais não finalizados, como o do Mercosul com a União Europeia.

Qual a importância das reservas especialmente neste momento de pandemia?

O Brasil é um dos poucos países em desenvolvimento que dispõem de um patamar confortável de reservas internacionais. Isso representa um custo que temos que ‘carregar’, porém neste momento de grande instabilidade e de queda no ingresso de divisas, possuir a capacidade de disponibilizar um aumento na oferta de moeda estrangeira no mercado doméstico é de fundamental importância. Esse movimento pôde ser percebido nos últimos meses pelo Banco Central do Brasil, que veio atuando, depois de muito tempo, no mercado à vista, auxiliando na contenção de uma desvalorização mais acentuada do Real. De todo modo, sabemos da saída significativa dos investimentos em portfólio, que em 12 meses encerrados em abril, acumulamos perdas de mais de US$ 49 bilhões, e da perspectiva de redução do fluxo de investimento direto para o Brasil em 2020.

Por que essa mudança tão repentina no comportamento das reservas?

Um ponto importante para entendermos o motivo da redução no volume do ingresso de divisas no país em 2020 é o atual diferencial de juros. Tradicionalmente, o país tinha uma diferença significativa entre os juros domésticos com as taxas praticadas nas economias centrais, dos Estados Unidos, em especial. Contudo, implementamos uma agenda de controle de gastos que permitiu a estabilização da dívida pública, possibilitando uma redução mais agressiva da taxa de juros Selic. Além disso, temos uma perspectiva deflacionista para a economia brasileira, que abre espaço para uma nova redução da Selic, sinalizando uma taxa de juros que deve permanecer em seu piso nominal histórico. Para finalizar, temos um risco país que cresceu nos últimos meses e a perspectiva de crescimento da dívida pública. Fica nítido que o investidor estrangeiro está mais desconfiado em direcionar seus recursos para o Brasil, associado a um ambiente de prolongamento da crise da economia brasileira. Nesse sentido, a tendência é de queda na entrada de investimento em portfólio e direto. Mais um motivo para entendermos a importância de possuirmos um nível elevado de reservas. Em resumo, a tendência das reservas internacionais do Brasil é de diminuir em função dos movimentos que prejudicam o ingresso de divisas no país em 2020.

Qual deverá ser o tamanho dessas perdas?

Vai depender da melhora da atividade econômica mundial e brasileira, no andamento de uma vacina para a Covid-19, da continuidade de medidas anticíclicas implementadas pelas principais economias e seus bancos centrais e pela disponibilidade do mercado doméstico em financiar nossa dívida com trajetória crescente.

Que setores da economia brasileira poderão ser mais beneficiados?

Pontualmente, alguns segmentos da economia brasileira serão beneficiados pela crise. Por exemplo, a indústria de álcool gel, equipamento de proteção individual, plástica e papel ondulado, equipamentos e acessórios hospitalares e o varejo de bens de consumo não duráveis, especialmente os essenciais. De todo modo, esses resultados não são significativos no conjunto da economia e, para piorar, são impactos de curto prazo e que não terão uma continuidade em função da forte retração que vai acontecer com a renda e expectativas.

O agronegócio não pode mudar esse cenário?

Mesmo o agronegócio está sentido os impactos adversos da crise provocada pelo Covid-19. Existe um visível esforço empresarial para contornar as dificuldades impostas pelo distanciamento controlado, mas ele não é suficiente para fazer frente ao tombo das expectativas dos consumidores sinalizando um resto de 2020 muito difícil. Não por acaso, os resultados do produto interno bruto (PIB) para o primeiro trimestre do presente ano já apontam uma forte queda no consumo das famílias.

 

Desafios do sistema de saúde em cenário de pandemia

 

Gisele Teixeira Braun
Economista do Banco Interamericano de Desenvolvimento (BID),
especialista em Economia da Saúde e desenvolvimento econômico


Como a Economia da Saúde pode contribuir para a construção de políticas públicas de combate às pandemias?

O sector da saúde ocupa um espaço cada vez maior na economia dos países desenvolvidos, quer em termos de consumo de recursos globais, quer em termos de despesa pública, o que serviu de base para a especialização de muitos economistas na área da saúde. Conceitualmente, a incerteza relativa ao momento e ao montante da despesa em cuidados de saúde e, socialmente, as externalidades positivas associadas aos cuidados de saúde justificam a existência de sistemas de transferência de risco, assim como a participação do Estado no seu financiamento. Os sistemas de saúde são complexos, envolvem agentes com objetivos distintos e implicam a tomada de decisão em contextos de informação geralmente assimétrica. E são exatamente as internalizações dos elementos de incerteza, das externalidades positivas e negativas e da assimetria de informação no desenho de políticas públicas, em particular para o combate das pandemias, que a economia da saúde pode contribuir a construção de políticas mais eficientes.

De que forma pode vir uma contribuição mais efetiva da Economia da Saúde?

Há exemplos bastante atuais, onde a economia da saúde teria uma palavra colaborativa. Por exemplo, na decisão relativa à retomada da atividade económica em um contexto sem vacina para evitar o contágio por coronavírus. Deve-se recomendar a retomada das atividades socias incluindo toda a população? Ou fazer uma retomada gradual, isolando grupos vulneráveis em um primeiro momento? Dada a eventual descoberta de uma vacina para evitar a Covid-19, cabe a partilha geral dos custos da mesma para toda a população, isto é, deve-se utilizar receitas públicas para a imunização da população? Dadas as externalidades positivas da imunização e os custos associados ao tratamento de um paciente, justificar-se-á a despesa pública em função do custo da vacina em relação aos benefícios potenciais. E assim como estas, os gestores de políticas públicas veem-se rotineiramente confrontados com a elaboração de políticas públicas que requerem o entendimento da economia da saúde como parte para um desenho ótimo da política.

Como vêm se comportando os gastos do setor público brasileiro com a saúde?

Em nível agregado, e face à capacidade de pagamento da economia, a despesa total no Brasil é semelhante àquela realizada na média de países da OCDE. No entanto, a composição desta despesa é bastante diferente, tendo a despesa privada um peso maior no Brasil. Haja vista o princípio de cobertura universal do Sistema Único de Saúde e o seu financiamento realizado por impostos gerais, uma despesa privada de aproximadamente 57% da despesa total, em um contexto onde o “opting out” do sistema público não é factível, reflete uma incapacidade de cobertura universal efetiva por parte do sistema público, seja por limitação da produção de cuidados, pelo seu preço (tempo de espera, no caso público) ou ainda pela qualidade percebida pelos usuários. No período de 2010 a 2017, a despesa de saúde aumentou de 8,0% para 9,2% do produto interno bruto (PIB). Em 2017, o consumo final de bens e serviços de saúde no Brasil atingiu R$ 608 bilhões. Desse total, R$ 254 bilhões (3,9% do PIB) foram despesas de consumo do governo e R$ 355 bilhões (5,4% do PIB) despesas de famílias. No mesmo ano, a despesa com consumo per capita das famílias alcançou R$ 1.715 enquanto as despesas do consumo per capita do governo foram de R$ 1.227. A principal despesa das famílias com saúde foram os serviços de saúde privada (67%) e gastos com medicamentos (30%). Em 2010 o valor adicionado bruto das atividades de saúde representava 6,1% (R$ 202 bilhões) no total da economia, passando para 7,6% do total (R$ 429,2 bilhões) em 2017. O maior aumento de participação ocorreu na atividade de saúde privada, que passou de 2,1% do valor adicionado bruto total da economia, em 2010, para 3,0%, em 2017.

É importante a integração dos sistemas público e privado neste momento de crise? 

Os sistemas de saúde estabelecidos nos diferentes países resultam da interação de um conjunto de elementos, especialmente nos âmbitos da população coberta e dos serviços incluídos, das fontes de financiamento e disponibilização dos recursos, bem como da organização da oferta e prestação dos serviços. O modo de financiamento e o tipo de provisão são características importantes que os diferenciam e que, em ambos os casos, percorrem uma escala ampla: desde o predominantemente público ao predominantemente privado. Todos têm associada uma componente assistencial tanto mais relevante quanto menor a abrangência da componente pública. Embora seja muito difícil, se não impossível, encontrar sistemas de saúde idênticos em diferentes países, é possível classificá-los por grandes grupos de características. Não há evidência na literatura que permita concluir definitivamente quanto à superioridade de um sistema de saúde sobre outro, apesar de ser cada vez mais comum a existência de avaliações dos sistemas de saúde e a consequente atribuição de um valor. E uma das características que se ressalta é a determinação objetiva das responsabilidades e complementaridades de cada uma das esferas.

Quais os maiores desafios para o sistema no Brasil?

No Reino Unido, por exemplo, a prestação dos cuidados de saúde na rede de atenção básica é realizada por agentes privados, ainda que o seu financiamento seja realizado por meio de impostos gerais, enquanto que a rede hospitalar tem prestação pública. Quanto ao sistema de saúde no Brasil, há um grande desafio inicial de começar o debate sobre a repartição organizada da prestação de cuidados de saúde, a fim de evitar uma competição por preço que diminua a qualidade dos serviços, e um compartilhamento de riscos e despesas desigual entre as esferas. Das experiências internacionais, sabe-se que o debate é propício para disputas ideológicas e, por esta razão, deve-se ter o cuidado de mantê-lo no campo técnico, considerando as necessidades de cuidados de saúde dos brasileiros, a capacidade de pagamento da população e do Estado e o arcabouço institucional. O setor da saúde como um todo, incluindo as suas componentes pública e privada, tem um papel fundamental para o sucesso da resposta à pandemia. No entanto, a competição não-regulamentada entre os dois subsetores pode culminar em resultados subótimos, em termos de quantidade e de qualidade dos serviços oferecidos. Neste momento, a aproximação dos dois subsetores para a coordenação da oferta de cuidados tem sido fundamental para atender à demanda excessiva derivada da crise do coronavírus: observa-se que alguns estados da Federação têm contratado leitos privados, o que é uma primeira aproximação. Aproveitando esta percepção colaborativa imediata, passada a fase aguda da crise, julgo que estão criadas as condições para início do diálogo de integração, o qual se deve basear no compartilhamento dos riscos financeiros que maximize os resultados em saúde.

O sistema público de saúde brasileiro está sendo eficiente no enfrentamento da pandemia?

Ainda é cedo para realizar uma avaliação de desempenho do sistema público de saúde brasileiro no combate à pandemia. Além disso, o estado de saúde da população anterior à pandemia, o qual é influenciado por diversos fatores, importa no desempenho. Até o momento, observo que os hospitais têm sido capaz de dar respostas, sendo poucos os estados brasileiros que reportam utilização de camas de cuidados intensivos acima dos 90%. Outro elemento de política pública, importante tem sido os sistemas de controle da propagação do coronavirus, com políticas informativas para a população, assim como meios alternativos de contato com os pacientes. O SUS criou canais de comunicação importantes e têm expandido a telessaúde, um instrumento importante para que a cobertura universal seja efetiva, em particular para usuários com limitações de mobilidade e para aquelas populações que vivem em áreas remotas, onde a infraestrutura instalada e presença física de profissionais de saúde é escassa.

Qual a importância do setor privado na contenção da pandemia?

Haja vista o comentado em resposta anterior, e dada a estructura atual do sistema de saúde no Brasil, vejo que o setor privado está a cumprir um papel importante no incremento da oferta de cuidados de saúde e/ou no fornecimento de meios de produção para que o setor público, o qual tem a responsabilidade (neste momento e dadas as regras vigentes) de proteger a saúde da população de modo independente do setor privado. É importante lembrar que o setor privado, dentro das suas competências, tem uma papel suplementar na prestação de cuidados de saúde. Mesmo assim, o setor privado tem tido uma contribuição superior ao do público ao valor adicionado bruto no total da economia. Portanto, na minha interpretação, seria fundamental entender a origem deste crescimento, se está baseado em maior produtividade ou em falhas de mercado, e a seguir promover as reformas institucionais necessárias para se ter um crescimento semelhante da componente pública.

Uma nova agenda global


Paulo de Tarso Pinheiro Machado

Economista, MSc em Agronegócios, PÓS-MBA em Governança Corporativa e Riscos
Corecon-RS Nº 3639

 

Qual o tamanho dos estragos na economia mundial decorrentes da crise gerada pela Covid-19?

A pandemia da Covid-19 caracteriza-se como uma crise sanitária, portanto, distinta de crises anteriores, como a da Grande Depressão, em 1929, do petróleo, em 1973 e 1979, e do sistema financeiro norte-americano, de 2008 a 2009, considerando que aquelas foram crises cíclicas e endógenas ao funcionamento do sistema econômico. Quanto aos seus impactos, em nível global, a pandemia atingiu mais de 150 países no mundo, gerando um expressivo contingente de pessoas infectadas, ceifando vidas, bem como disseminando fortes impactos à economia global. Os impactos mais expressivos na economia mundial, ainda estimados, estão a indicar que a paralização da economia global atingiu 50% do PIB mundial, segundo a consultoria inglesa Oxford Economics, excluindo a China que retomou sua atividade mais cedo em relação a outros países. O Fundo Monetário Internacional (FMI) prevê que a economia mundial experimente o pior desempenho desde a Grande Depressão, observando que o PIB mundial deva recuar 3% diante de uma projeção anterior de crescimento de 3,3%.

E os efeitos dessa crise na América Latina?
A Comissão Econômica para a América Latina (Cepal), uma das cinco comissões regionais das Nações Unidas para o desenvolvimento da América Latina e do Caribe, antevê sob forte desalento, o baque que esta crise sanitária provocará em uma região sempre exposta aos vaivéns das matérias-primas, da manufatura, do turismo e das remessas, diante da “freada brusca” da atividade econômica em escala global. O choque será particularmente forte em uma métrica-chave do desenvolvimento social, a pobreza extrema. Segundo os dados do organismo, se o avanço da pandemia provocar uma queda de 5% na renda média da população ativa, o número de latino-americanos em extrema pobreza passará dos 67,5 milhões atuais para 82 milhões. Se a diminuição da renda da população economicamente ativa for de 10%, o número disparará para 90 milhões de pessoas, ou seja, 22 milhões de pessoas a mais em relação ao número atual. No plano macroeconômico, a Cepal prevê um golpe múltiplo para a América Latina, basicamente através de seis eixos: diminuição da atividade econômica em seus principais parceiros, Estados Unidos, Europa e China, barateamento das matérias-primas, interrupção das cadeias globais de valor, menor atividade turística, redução das remessas e intensificação da aversão ao risco nos mercados mundiais.

De forma geral, o que esses órgãos estão estimando para o Brasil?
O FMI também estima queda de 5,3% na atividade econômica brasileira em 2020 cotejada com a projeção anterior que apontava crescimento de 2,2% no PIB. O Fundo calcula que a taxa de desemprego do país vai alcançar 14,7% no ano. Outra tendência de impacto expressivo é a grande desmobilização no segmento de micro e pequenas empresas (MPEs), onde estimativas preliminares apontam que até o último mês de abril, mais de 70% do faturamento deste grupamento foi afetado, podendo ser maior ainda caso a pandemia se prolongue até a metade deste ano. A pandemia da Covid-19 representa a postergação para o tão necessário e desejado processo de retomada do crescimento do PIB brasileiro, onde a expansão da atividade econômica, o nível de ocupação, cuja a tendência é de um aumento inevitável da taxa de desocupação e no número de desalentados, e a capacidade de investimento tendem a ser fortemente impactados pelos efeitos da crise pandêmica. Diante deste panorama é possível antever que os efeitos econômicos não serão de curta duração e que seus impactos poderão trazer prejuízos irreversíveis a estrutura econômica mundial e brasileira.

O que fica, dessa crise, de positivo para países em desenvolvimento?
Em que pese todos os efeitos deletérios à vida da humanidade gerados pela pandemia da Covid-19, a mesma poderá se caracterizar como um aspecto “acelerador de futuros”, pelo fato de antecipar e acelerar mudanças que já estavam em curso, como o trabalho remoto, a educação à distância, a busca por sustentabilidade e a cobrança, por parte da sociedade, para que governos, organizações e empresas sejam mais responsáveis do ponto de vista social. Proporcionará, ainda, uma reflexão e revisão dos atuais Modelos Econômicos e de Governança Global, a fim de acelerar o processo de recuperação e retomada da normalidade econômica e social do planeta. Nesse sentido, a predição da professora e futurista Amy Webb, da Escola de Negócios da Universidade de Nova York, sintetiza que “a vida depois do vírus será diferente”, onde “teremos uma escolha a fazer: queremos confrontar crenças e fazer mudanças significativas para o futuro ou simplesmente preservar o status quo?”

O que muda no cenário internacional no período pós-pandemia?
A pandemia alerta e impacta a governança global, sobre uma maior atenção à integração das ações comunitárias e a capacidade do Estado, em especial, no papel central dos estados-nação e das cidades como primeiros socorristas. A Covid-19 traz evidências, como a reintrodução do debate sobre o papel do Estado diante de uma crise sanitária, onde a cidadania recorre diretamente aos governos - e não ao setor privado - gerando expectativas, insegurança e desconfiança sobre a capacidade de atendimento dos mesmos. Isso, no Brasil, agravou-se, gerando tensionamentos políticos e administrativos entre o Governo Federal e os Estados e Municípios, os quais procuraram seguir critérios científicos e técnicos para tentar proteger seus cidadãos. Da mesma forma, apontou as falhas globais de cooperação e a capacidade de respostas internacionais e regionais diante do grau de deterioração do multilateralismo, anterior à pandemia, que implica em um elevado custo econômico e social.

Estamos caminhando para uma nova agenda global?
Embora ainda não seja possível pautar que mudanças poderão ocorrer, existe algumas crenças otimistas, difusas e compartilhadas por analistas internacionais de que poderá haver um "boom" econômico pós-coronavírus, embora ninguém saiba dizer quando e a que custo. Por sua vez, uma corrente com uma visão menos otimista destaca os entraves e demandas para uma possível reconfiguração da ordem econômica mundial depois de passada a crise. No entanto, a agenda global pós-crise da Covid-19 deverá conter, entre outros, pontos de pauta anteriores e novos a crise, tais como o acirramento da guerra comercial entre EUA e China, com desdobramentos decorrentes das idiossincrasias de Washington e Pequim, cujos efeitos podem reconfigurar a estrutura das cadeias de abastecimento espalhadas pelo mundo, a partir da narrativa do Presidente dos EUA, Donald Trump, afirmando que “We will need to do things at home” (“Precisaremos fazer as coisas em casa"), ao declaração expressa na reativação do Defense Production Act (Ato de Defesa da Produção dos EUA - abril de 2020), tema que, também, desperta interesse marginal da Inglaterra; maior frequência de comportamentos protecionistas, face aos problemas gerados pela pandemia; a agenda de reorganização da União Europeia após a saída da Inglaterra com as preocupações econômicas da Itália e Espanha; a reorientação da governança global para uma atuação mais ativa, assertiva na mediação de conflitos internacionais com o apoio de seus organismos multilaterais; esforço da China em demonstrar para a percepção global, maior protagonismo humanitário pós-crise, junto a OMS, valendo-se do vácuo promovido pela renúncia colaborativa e financeira dos EUA ao organismo.

Até que ponto a China sai ainda mais fortalecida dessa crise?
O surto afetou a China num momento delicado para sua economia, cujos danos impactam, fortemente, seus indicadores de consumo e atividade econômica. A economia chinesa, antes da pandemia, já experimentava um período de desaceleração e os efeitos causados pela pandemia da Covid-19 registraram a primeira contração em quase 30 anos, tendo o PIB chinês desabado 6,8% no 1º trimestre de 2020, na comparação com o mesmo período do ano passado. A disseminação do surto de coronavírus e as rigorosas medidas de quarentena impostas para contê-lo, bem como o menor consumo de empresas e indivíduos, levantam dúvidas sobre a força de uma possível recuperação. Os dados da atividade econômica mundial sinalizaram recentemente uma recuperação moderada, graças ao fato de que a primeira fase do acordo comercial entre a China e os EUA foi mais ampla do que o esperado. Entretanto, a China, como a segunda maior economia do mundo, elevada capacidade de investimento e, grande centro de produção e suprimento das cadeias globais, deverá observar uma recuperação gradativa na sua atividade econômica, em função da sua magnitude, mas principalmente pelo abalo a demanda agregada. Mesmo que o País tenha uma pequena vantagem competitiva pelo fato de ter encerrado a crise pandêmica mais cedo, em relação a outros países, a demanda doméstica levará algum tempo para normalizar, visto que o consumo relacionado aos agrupamentos sociais ficou contido, bem como a demanda externa foi prejudicada pela disseminação externa do surto.

Como fica a disputa pela hegemonia mundial, especialmente entre EUA e China?
Sob o enfoque geopolítico, EUA e a China se tem, reciprocamente, como adversários estratégicos, sendo que nos últimos anos cresceu a competição entre os dois países pela hegemonia global. Os EUA, com políticas de isolamento e ampliação de ações confrontacionistas, protecionistas, nacionalistas e xenófobas, que dificultam a interdependência dos países, como ocorre com a globalização. A China desenvolve uma política agressiva com a expansão e consolidação das suas relações de comércio externo com o resto do mundo. Esta nova faceta de uma “guerra fria” econômica, propõe uma nova fase da confrontação, evidenciada por iniciativas chinesas como a Rota da Seda, pela competição nas redes 5G e, de parte americana, por conflitos sobre propriedade intelectual e inovações tecnológicas.

E onde o Brasil entra, nessa disputa?
A economia brasileira, desde 2015, vem submetida a um desempenho crítico expresso no comportamento do seu PIB, tendo apresentado, no período 2015-2019, taxa média de crescimento negativa de 0,9 % ao ano, em relação à ocupação. Embora tivesse havido um declínio, o Brasil vem experimentando uma elevada taxa de desemprego de 11,2%, segundo dados de fevereiro, do IBGE, o que corresponde a 12 milhões de pessoas e, somados a 11,6 milhões de empregados sem carteira assinada e 24,2 milhões são trabalhadores por conta própria, o que contribui para a queda da massa salarial e da renda média do trabalho. Ainda neste cenário sombrio, o País registra uma das piores trajetórias das taxas de investimento da economia na última década. O Brasil apresentou uma taxa de investimentos média durante o período 2010-2014, de 20,5% do PIB. Porém, com a recessão que se iniciou no segundo trimestre de 2014 e foi até o fim de 2016, a taxa de investimento desabou, sendo de 15,5% no primeiro trimestre de 2019, portanto 5% menor que a média do período 2010-2014. Foram quatro anos, de 2014-2017, de queda real dos investimentos.

Até que ponto as medidas que vinham sendo tomadas pelo governo federal para recuperação da economia antes da crise se refletem positivamente para o enfrentamento deste atual momento?
Antes da Covid-19 chegar ao Brasil, o Governo Federal, com o objetivo de retomar o crescimento, vinha buscando implementar uma agenda de ajustes necessários, entre os quais o controle dos gastos públicos para a obtenção do equilíbrio fiscal, o encaminhamento, ao final de 2019 ao Senado, de uma proposta de emenda à constituição do Pacto Federativo (PEC 188/2019), visando direcionar aos estados e municípios até R$ 400 bilhões em 15 anos, e propondo uma flexibilização orçamentária para “desengessar” a gestão pública através das contas do Tesouro as quais, 67% das despesas primárias da União são indexadas. A PEC proposta pelo Governo tem como foco descentralizar, desindexar e desvincular o orçamento e como resultado reestruturar o pacto federativo. Com a chegada da pandemia, o Governo teve que reorientar sua estratégia ao liberar, no início de abril, cerca de R$ 200 bilhões em medidas para socorrer trabalhadores e empresas e ajudar estados e municípios no enfrentamento aos efeitos da crise provocada pela pandemia do novo coronavírus. O Governo Federal, também, transferiu R$ 16 bilhões para os fundos de participação dos estados e dos municípios, para reforçar os sistemas de saúde e segurança. Com todo este cenário o Brasil deverá ter, no pós-pandemia, muitos obstáculos para se recuperar economicamente devido ao agravamento das condições de setores como o comércio, serviços, turismo e, alguns segmentos da indústria. Perspectivamente, o setor externo onde o agronegócio brasileiro tem forte competitividade, a partir de um provável acirramento da guerra comercial entre China e EUA, a qual gerou oportunidades para o Brasil em 2018 com o crescimento das exportações brasileiras para a China em 35% na comparação com 2017, gerando uma balança comercial positiva para o Brasil em US$ 30 bilhões.

A atual crise está provocando mudanças na concepção de investimentos?
A pandemia da Covid-19, embora se caracterize como uma crise de natureza sanitária, em termos econômicos tem o mesmo efeito de uma guerra, onde a mobilização é intensa e exige a intervenção maciça do Estado na economia para impulsionar os esforços de combate, neste caso, pela saúde e preservação das vidas. Nos casos de crises originadas por guerras, com proporções ampliadas, às quais tiveram seus efeitos disseminados ao mundo inteiro, resultaram em medidas adotadas pelos governos, voltadas ao aumento de impostos para pagar seus custos e controlar a inflação decorrente da assimetria entre a demanda e a escassez de estoques. Essa dinâmica, por vezes, gerou a retomada do emprego com a melhoria na taxa de ocupação e aumento da massa salarial, bem como um redirecionamento nos investimentos para a reconstrução econômica dos países afetados. Agrega-se a isso, a constatação de que a experiência compartilhada, de medo, mortes, racionamento e estar sob ataque, provocou uma mudança de atitude dos agentes econômicos no sentido de haver mais apoio no pós-guerra a políticas de redistribuição de renda. Esta dinâmica, observada logo após a Segunda Guerra Mundial, levou o Ocidente a estimular maciços investimentos em saúde pública, educação, previdência e uma rede de proteção culminando no desenvolvimento de um Estado de Bem-Estar Social. No caso dos efeitos da Covid-19, os países afetados e seus Bancos Centrais promoveram “pacotes” econômicos, como forma de compensar os impactos da pandemia através de medidas e instrumentos fiscais voltados ao combate do vírus, bem como assistir segmentos sociais pela perda de renda, como foi o caso do Brasil. Tais medidas foram importantes para corrigir alguns problemas imediatos na Renda Fixa, visto que mercado passou a apresentar alta volatilidade e preços com pouca referência devido à falta de liquidez. Nesse sentido, alguns Bancos Centrais passaram a prover a necessária liquidez à Renda Fixa, em busca do retorno à normalidade dos preços destes ativos.

Mas essas medidas certamente trarão impactos ali na frente?
Como decorrência, face à magnitude das medidas adotas, deverá ocorrer um aumento do endividamento público, como forma de financiar esse esforço. No caso das economias emergentes, estas podem ter um rebaixamento de seu risco-país, uma vez que a demanda por seus títulos de crédito não é tão alta e recorrente quanto a das economias desenvolvidas. Sob a ótica dos investimentos, todo este contexto aponta para um cenário de incertezas, onde poderá ocorrer, desde a priorização de títulos de países desenvolvidos em setores não cíclicos e papeis do tipo investment grade em empresas de tecnologia, energia elétrica, farmacêuticos e supermercados. Por sua vez, setores que foram fortemente impactados pela crise, como aéreo, turismo, petróleo, automotivo, varejo e de químicos, podem se caracterizar como investimentos atrativos a partir da necessidade de sua recuperação e de capital. Entre as expectativas do cenário pós-pandemia, o mundo deverá estar com a atenção voltada para os movimentos de retomada econômica pela China e pelos EUA, cujos desdobramentos deverão ter papel decisivo no cenário econômico e no rumo dos investimentos.

 

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