CAAPE:

Debates da Perícia Econômica-Financeira
 

Caxias do Sul e cenários para a economia


Romário de Souza Gollo
Economista, professor da Universidade de Caxias do Sul (UCS),
Consultor Empresarial

Corecon-RS Nº 6808

 

Os números da economia de Caxias do Sul vêm apontando recuperação?

Sim. A economia de Caxias do Sul vem apresentando recuperação ao longo do ano de 2021 e já sinaliza uma retomada do crescimento, segundo dados da Câmara de Indústria e Comércio (CIC) e Câmara de Dirigentes Lojistas (CDL) de Caxias do sul. Entretanto, o crescimento deve acontecer de forma gradativa, pois depende de variáveis exógenas que podem interferir no desempenho.

Quais setores aparecem em destaque?

O setor da indústria apresenta o maior destaque. Em segundo lugar vem o comércio e em terceiro lugar o setor de serviços. Conforme apontam os dados da CIC e CDL de Caxias do sul, o setor de serviços vem mostrando resultados negativos. A indústria, por sua vez, é o setor mais pujante, compensando os resultados negativos dos demais setores.

A que se deve essa recuperação?

A recuperação se deve ao setor da indústria, ainda que pouco expressivo. O comércio já mostra sinais de recuperação e o setor de serviços também deve apresentar avanço, especialmente com o advento das datas comemorativas de final de ano.

O que falta para "normalizar" a caminhada de crescimento?

Para normalizar a trajetória do crescimento é necessário que a imunização atinja os percentuais desejáveis de pessoas vacinadas contra a Covid-19, para, assim, poder liberar a abertura (sem restrições) do comércio. Quando o comércio voltar à normalidade, certamente vai puxar os demais setores, ou, pelo menos, melhorar seus próprios resultados.

Quais os gargalos que impedem uma retomada mais efetiva?

Os gargalos que impedem a retomada do crescimento são justamente os relacionados às restrições das atividades econômicas. Esses gargalos serão eliminados a partir do momento que acabem as restrições e as atividades voltem a sua normalidade. Assim, não haverá mais falta de insumos, que é uma das principais causas dos resultados pífios, considerando o ambiente global.

Como estão as expectativas dos empresários?

Os empresários estão otimistas, alguns, inclusive, relatam que não tiveram maiores dificuldades para enfrentar a crise. Estão sinalizando uma retomada de crescimento, assim que a economia volte à normalidade. Isso fará com que o consumidor também volte a consumir mais, fomentando o fluxo real da economia.

E como estão as expectativas das famílias?

As expectativas das famílias também são otimistas. Ainda que algumas apontem dificuldades na retomada do consumo, devido à deterioração do poder de compra, causado pelo aumento da inflação, especialmente nos últimos meses. Outras, estão apostando na retomada das atividades do comércio, que pode gerar empregos mesmo que temporários. Por fim, a retomada do crescimento depende do avanço da vacina e da liberação das atividades econômicas, sem restrições.

 

O Brasil e a Economia dos Transplantes

Tallys Kalynka Feldens

Economista da Secretaria de Estado de Saúde
do Paraná (Sesa-PR), 
Mestre e Doutoranda
em Desenvolvimento Econômico na UFPR

Corecon-PR Nº 8493

 

Como está o Brasil, comparativamente aos demais países da América Latina, na oferta de doações de órgãos para transplante?

Os dados de 2019 indicam que o Brasil é o segundo maior transplantador do mundo, apenas atrás dos EUA (ABTO, 2020). Em relação à América Latina, o Brasil (18,1) está atrás do Uruguai (22,86) e da Argentina (19,6), em termos de doadores falecidos por milhão da população (IRODAT, 2021).

De que forma a legislação brasileira tem facilitado ações nesse sentido?

A legislação brasileira é do tipo opt-in, ou seja, nenhum indivíduo é considerado doador a não ser que a família do falecido expresse o desejo de doar os órgãos. Para os órgãos em que é possível a doação em vida, a legislação permite que seja realizada para cônjuges ou parentes até 4º grau, ou outra pessoa, mediante autorização judicial (Lei nº 9.434/1997).

Os governos têm facilitado, através de políticas sociais, a ampliação de doações de órgãos?

A maioria das secretarias dos estados apoia o movimento nacional “Setembro Verde” pela doação de órgãos, através de passeatas, palestras, banners, vídeos e programas de rádio. No dia 27 de Setembro é comemorado o Dia Nacional do Doador de Órgãos, onde, em muitos lugares, são realizadas cerimônias religiosas de homenagem aos doadores, bem como ações de conscientização Brasil afora.

No entanto, na pesquisa que tenho realizado, os resultados sugerem que as ações do Ministério da Saúde não estão sendo eficazes.
Sobre o que trata a sua pesquisa?

Minha dissertação em Economia dos Transplantes possui dois ensaios. Um deles visa responder como a mídia pode contribuir com a conscientização pela doação de órgãos; e o outro explora as relações de incentivo entre doação de doador cadáver e doador vivo.

E como a mídia, jornais, programas de rádio e televisão ou campanhas têm ajudado a ampliar o número de doações?

A doação de órgãos é um ato de generosidade e altruísmo que encanta a população. Uma vez ou outra aparecem histórias emocionantes na mídia sobre doação. Celebridades cujas famílias autorizaram a coleta dos órgãos, como no caso do apresentador Gugu Liberato, bem como de pacientes que recuperaram esperança ao receber um órgão. Também é bastante comum que as novelas exponham esse tema, devido à alta carga dramática que possui. A televisão ajuda a criar um cenário que promove a conscientização e propicia conversas sobre o assunto, e de acordo com as nossas estimativas, possui praticamente o mesmo impacto em número de doações de aparelhar o sistema com mais equipes transplantadoras, por exemplo.

O que falta para adquirirmos uma cultura mais eficiente de doação de órgãos?

É necessário que as pessoas tenham acesso a informações de como funciona o processo de doação e alocação de órgãos. Com isso, eu acredito que é possível que haja um maior conhecimento e confiança nas instituições envolvidas, permitindo, em caso de ser necessário tomar uma decisão sobre doação, possamos decidir com segurança e altruísmo.
Link para a dissertação completa: https://acervodigital.ufpr.br/handle/1884/71555

 

Negócio Fechado: Inovação no mercado da pecuária

Leandro Antonio de Lemos
Diretor do Negócio Fechado, Professor, Consultor de Empresas,
Ex-Presidente Corecon-RS
Corecon-RS Nº 4667

 

Foi lançado, no dia 6 de setembro último, o aplicativo "Negócio Fechado", o primeiro "app" exclusivo de compra e venda de bovinos do País. Com o objetivo de auxiliar o mercado pecuário, o programa foi anunciado na Expointer como resultado de uma parceria entre o Instituto Desenvolve Pecuária (IDPec) e da SafeWeb Segurança da Informação. O Corecon-RS entrevistou o economista Leandro Antonio de Lemos, Ex-Presidente do Corecon-RS e atual diretor do Negócio Fechado, que contou mais sobre as funções e objetivos do aplicativo.

 

Qual o objetivo do "Negócio Fechado", primeiro aplicativo de compra e vendas de bovinos no Brasil?

O objetivo do aplicativo “Negócio Fechado” é permitir a comercialização entre produtores da pecuária para compra e venda de gado, tanto para reposição como para corte. Esse é o primeiro aplicativo do Brasil que permite o processo completo. Desde o cadastramento, certificado. Ou seja, consegue-se identificar através da administração do aplicativo se quem está anunciando realmente é a pessoa jurídica ou física, com a certificação da SafeWeb.

Como funciona?

Pode-se fazer o download do aplicativo direto pelas lojas IOS ou Android ou diretamente no site do aplicativo. Você faz o cadastro, coloca seus dados, que são protegidos em alto nível de segurança, criptografados. A partir daí, a pessoa pode fazer o anúncio no aplicativo, colocando fotografias e vídeos do seu gado para venda.

Qual o nível de segurança das informações contidas no App?

As informações são completamente seguras, tanto para quem quer comprar como para quem vai vender. O comprador entra em um chat privado com quem está vendendo, chat este também criptografado, permitindo um alto nível de segurança e impossibilitando qualquer tipo de acesso de um terceiros nas conversas entre os negociantes.

Todos as etapas envolvendo a transação podem ser feitos por ali?

A grande vantagem é que a parte interessada pode fazer o pagamento direto pelo próprio aplicativo. Nós temos uma ferramenta de segurança, de transações digitais, integrada com os sistemas bancários, o que permite o pagamento de forma muito segura. E quem está vendendo vai ter informação instantânea de que o recurso entrou em sua conta bancária. Temos a possibilidade de pagamento por TED, DOC, boleto bancário e cartão de crédito. O fato de possibilitar negociações com cartões de crédito também é um diferencial, já que o comprador pode acumular seus pontos ou “milhas” para seu cartão.

Qual a importância da certificação adquirida pelo "Negócio Fechado"?

A importância de ter a certificação do Negócio Fechado é impedir fraude e impedir que impostores entrem no sistema e abram negociação, obtendo dados dos produtores ou de seu patrimônio, protegendo-se, então, de possíveis crimes, tanto cibernéticos quanto patrimoniais.

O App é utilizado apenas dentro do Brasil ou pode ser utilizado também por clientes do exterior?

O aplicativo pode ser usado também no exterior. Inicialmente, estamos com 1800 produtores cadastrados dentro do RS e, gradativamente, estamos agregando outros estados do Brasil. E como é uma plataforma na web, ele pode ser acessado de qualquer lugar do mundo, por qualquer interessado no aplicativo.

O Talibã, a economia e o Afeganistão

 

Roberto Rodolfo Georg Uebel
Economista , Doutor em Estudos Estratégicos Internacionais,
Pós-doutorando em Geografia Política, Professor da ESPM-POA 
Corecon-RS Nº 8074

 

Qual a importância política e econômica do Afeganistão no cenário mundial?

Economicamente o Afeganistão não tem uma importância muito significativa no cenário mundial. É um país muito pobre, com um dos piores indicadores de desenvolvimento econômico, um índice de Gini muito baixo, e se localiza numa região cercada de potências econômicas, como o Irã, Paquistão e Índia, e fazendo fronteira com a China, que foi um dos primeiros governos estrangeiros a reconhecer o Talibã como governo legítimo do Afeganistão. Economicamente não tem importância tão grande como a de seus vizinhos, o que não quer dizer que o país não tenha uma importância regional e internacional. O Afeganistão é um grande produtor de commodities minerais, tanto de metais, como também de minérios, que fornece para seus países vizinhos parceiros tradicionais, e, também, na prospecção do solo, como gás e, numa quantidade bem menor, em petróleo.Politicamente, o Afeganistão está localizado no meio da Bel and Road, a iniciativa da China de expansão de suas rotas comerciais para o Oriente Médio, Norte da África e Europa. Também está na rota dos gasodutos russos em direção ao Oceano Índico, estando, portanto, o território afegão, tanto na rota da expansão comercial chinesa como da expansão energética russa, e, por isso, foram os dois primeiros países a reconhecerem o Talibã como regime de fato daquele país.


Quais os principais impactos econômicos da crise no Afeganistão?

Podemos perceber alguns impactos no sentido em que a partir do momento em que assume o governo, não tem mais acesso às reservas bancárias antes atribuídas ao governo afegão, já que as contas foram bloqueadas pelos EUA, assim como foram congelados os empréstimos do FMI, pelo fato de que não há o reconhecimento do governo Talibã como um governo legítimo, o que os coloca numa situação muito próxima à da Venezuela, do governo Maduro, que, da mesma forma, não tem acesso às suas contas bancárias. Então, os recursos que eles têm internamente são garantidos justamente por China e Rússia. Como consequência, percebe-se aí uma crise econômica que vai se transformar numa crise orçamentária, até porque sem recursos o governo afegão não consegue fazer políticas públicas. Não consegue, por exemplo, garantir acesso da sua população à vacina contra a COVID-19 ou garantir o mínimo dos serviços básicos. Por isso, deve buscar alternativas via Rússia e via China para tentar conter esses bloqueios.


Quais as consequências à economia dos EUA ao cessar gastos de mais de 20 anos de intervenção no Afeganistão?

Com relação às consequências à economia norte-americana, se estima que os EUA gastaram U$ 6,4 trilhões em 20 anos nas guerras do Afeganistão e do Iraque. Estimativas dão conta de que os EUA tenham dispendido U$ 3 trilhões na guerra do Afeganistão em 20 anos, o que foi um impacto muito grande no orçamento de defesa daquele país. Justamente por essa razão, há um clamor domésticonos EUA, do eleitorado norte-americano, tanto de democratas como de republicanos, para que os EUA deixasse aquele país. Então, os 20 anos de 11 de setembro tem a simbologia da data, mas também já havia uma pressão doméstica, no mínimo há 10 anos,desde a morte de Bin Laden, para sair do Afeganistão. Foi um impacto muito significativo no orçamento norte-americano, que, evidentemente, deixou de ser gasto em outras áreas. Cabe lembrar que o próprio sistema de saúde dos EUA é muito falho, também pelo fato de não possuir um sistema universal como o do Brasil, e, justamente, um dinheiro que poderia ter sido utilizado para o AlffordableCareAct ou Medicare, programa de saúde criado pelo governo Obama.


De que forma essa crise pode afetar economias dos países em desenvolvimento, como o Brasil?

Eu não vejo a crise geopolítica e geoeconômica do Afeganistão afetando o Brasil diretamente. Já temos as nossas próprias crises, com um governo que flerta com o autoritarismo, então eu diria que não tem como traçar um comparativo com isso. O que poderia nos afetar, aí sim,seria eventual instabilidade no Oriente Médio ou nos países vizinhos, como Índia, Irã, ou demais países, como Arábia Saudita, Jordânia, Líbia, Turquia, Bangladesh, enfim, países que são grandes compradores de commodities brasileiras, como carnes e grãos, ou, ainda, num eventual bloqueio de transporte marítimo naquela região - muito embora Afeganistão não tenha costa marítima -, que poderia afetar o transporte de commodities. Mas isso seria um cenário hipotético. Num cenário factual, verídico, não vejo impacto na economia brasileira, já que o Afeganistão não é parceiro estratégico do Brasil. Tanto que o Afeganistão teve durante três anos uma embaixada no Brasil, que acabou fechando porque as relações nunca se adensaram. O Brasil, por sua vez, nunca teve Embaixada em Cabul. As nossas relações diplomáticas são realizadas pela Embaixada do Paquistão, esse sim, um parceiro importante do Brasil. Aliás, penso que seria interessante o Brasil se posicionar recebendo os refugiados afegãos, como fez no passado. Uma demanda pequena, que contribuiria muito para a imagem do Brasil no cenário internacional.


Por que a estrutura montada pelos EUA ao longo dos últimos 20 anos não foi o suficiente para o talibãs não voltar ao poder?

Os EUA ficaram mais tempo que deviam no Afeganistão. Invadiram o Afeganistão para caçar o Bin Laden e dar uma resposta à população norte-americana, em resposta às agressões sofridas no 11 de setembro de 2001, mas ficaram mais tempo do que o necessário. Foram 20 anos de muito gasto sem conseguirem treinar efetivamente as forças armadas afegãs, ou conseguir garantir a transição às instituições democráticas afegãs preservando as características locais. Não obtiveram sucesso nessas questões. Acho, portanto, muito difícil pensar numa solução de curto prazo para o Afeganistão, que não envolva ou que deixe de envolver a participação de organizações internacionais. Não uma missão humanitária, estilo a do Haiti, mas que se tenha a permissão de organizações como a ONU e outros organismos internacionais, autorizados pelo Talibã, a conduzirem políticas de reassentamentos de deslocados internos, que já são 5 milhões de pessoas. Os interesses de China e Rússia não são meras ideologias, muito pelo contrário. Mas de garantir seus negócios na região. Então, com a saída dos EUA, esse espaço deverá ser ocupado pelas duas nações, bem como pela Turquia, Irã e Arábia Saudita.

 

Página 6 de 70