RS e a pedagogia da crise

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Aod Cunha de Moraes Junior
Economista, Pós-Doutor em Economia Universidade de Columbia (USA)
Corecon/RS Nº 4880

 


Como o senhor avalia a situação das finanças do Estado do Rio Grande do Sul?
Não é apenas o Rio Grande do Sul que está passando por uma situação difícil. Outros estados, assim como o País também estão. Lógico que a situação fiscal do RS é mais aguda e mais grave, como já era previsto. Não vejo solução fácil para isso. Trata-se de um problema acumulado durante muito tempo, que chegou ao limite porque se esgotaram as formas de financiamento do déficit do estado. E a sua solução é difícil porque muito provavelmente terá que passar por discussões de reformas que não se dão simplesmente em nível estadual, mas, também, em nível federal.

A situação do estado pode se agravar ainda mais?
Esse padrão tende a continuar e, talvez, até se agravar. Sempre se acreditava, aqui no RS, que no momento em que o estado resolvesse a situação de sua dívida, de renegociação da dívida, os cenários melhorariam. Só que agora se vê que a situação não é bem assim. O estado do RS está com um alívio bastante significativo de não pagamento da dívida, fez o aumento do ICMS, mas o grande problema é que, assim como outros estados, aumentou o gasto corrente significativamente mais do que sua capacidade de arrecadação. E essa conta chegou agora, para todos. Então, infelizmente, acho que esse é um padrão que vai levar mais tempo para ser resolvido e que somente será solucionado no momento em que se fizer avanço de discussões de reformas e de ajustes do setor público no Brasil. Acho que se a situação não for resolvida e se a economia não se recuperar rapidamente, a sinalização que se tem é nesse sentido.

Que tipo de reformas devem ser feitas?
Previdência, em primeiro lugar. Embora acredito que ela, por si só, não resolverá o problema de imediato. Apenas sinalizará, lá para a frente, a velocidade com que o problema será solucionado. É que, se a reforma for aprovada, dependerá das regras de transição. Há 10, 15 ou 20 anos atrás, talvez só a discussão da reforma sobre o limite de idade teria sido suficiente para que, quando chegássemos a este momento complicado de agora, já tivesse surtindo seus efeitos. Trata-se de regras de transição, que passam pela via política, muito difíceis já para um governo federal eleito com grande maioria, e mais difícil ainda na situação em que nos encontramos. Então, a discussão do próprio pacto federativo, de gastos, sobre o que cabe ao governo federal, a estados e municípios, assim como o próprio sistema tributário de como financiar tudo isso. É uma discussão bem mais ampla, que não teremos mais como empurrar para a frente.

 

Como construir essa discussão?
O País vai ter que tomar uma decisão sobre que tipo de estado vai querer, que tipo de funções. Se vai cuidar de saúde, segurança, educação, de que forma, e que tipo de benefícios esse estado vai fornecer à sociedade. Qual o custo desse estado, já que ele precisa ser financiado com essa carga tributária, com esse sistema tributário. Eu acho que chegou o momento em que o País não conseguirá mais empurrar para a frente seus problemas. Infelizmente, é a pedagogia da crise.

 

Chegou-se a essa situação de endividamento do País por excesso de flexibilidade ou uma espécie de afrouxamento das regras?
Nós ainda não temos maturidade, ou ainda temos fragilidade, política para tomarmos decisões mais difíceis. O fato de o governo ter flexibilizado e ter aceito algum conjunto de gastos, especialmente os vinculados ao Poder Judiciário, Ministério Público e outros, de forma que fiquem de fora da PEC e das discussões, é muito negativo e demonstra a velha tendência de ir deixando. De uma forma geral, o orçamento público no Brasil sofre pressões de grupos de interesse, seja do setor público ou do privado. O que está acontecendo é que agora esse tamanho do bolo não é suficiente para todos no orçamento, e o País terá que tomar decisões sobre prioridades, se é educação, saúde ou segurança.

 

E por que a responsabilidade da sociedade?
É difícil e aparentemente ainda não estamos próximos de ver o governo com capacidade de avançar mais rapidamente. Quando falo que a responsabilidade é da sociedade é porque o País é uma democracia relativamente jovem, comparado com outros países, e que nós não poucas vezes temos a ideia de eleger um governante e que ele vai resolver tudo, caso contrário quatro anos depois, voltamos lá e elegemos outro. As democracias mundiais que funcionam são um pouco mais sofisticadas que isso. É lógico que todo o governo que é eleito tem que ter um plano e ele tem que responder por isso, senão não deveria ter sido candidato. Mas essa ideia de reclamar da política e dos políticos não passa de uma demonstração de certa imaturidade. Só que a sociedade como um todo será chamada para essa discussão porque o estado, o setor público, faliu nessa ideia de que pode fazer tudo e estar presente em diversas frentes, como aposentadorias benevolentes, combate às desigualdades sociais através do bolsa família, entre outros, ao mesmo tempo em que proporcionar desonerações para a indústria automobilística. São questões que estão numa lista complexa, de difícil discussão, mas que terão que ser enfrentadas. O debate, por exemplo, da previdência, deve ser feito de maneira bem mais firme aqui no RS. Sobre qual o papel do estado, funções, enfim. Não estou generalizando, mas as elites, e isso nos inclui, têm uma responsabilidade maior. Diante do aumento dos impostos, por exemplo, setores contrários tomam atitudes muito fortes quando a proposição chega ao Legislativo, mas quando os gastos são criados, lá atrás, no momento em que são dados os subsídios, ou aumento de salários, repasse de controle de crescimento de gastos para outros poderes, ninguém se envolve. É difícil, mas isso acaba atingindo a todos nós. E agora, estamos chegando a um momento agudo porque lá atrás, durante décadas, não fizemos o que deveria ter sido feito. Tínhamos uma saúde pública de má qualidade, mas uma parte da sociedade tinha plano privado. Tínhamos a educação de má qualidade, mas muitos conseguiram acomodar os filhos em escolas particulares. E agora chegou a crise da segurança pública, que a atinge a todos nós. Então, a sociedade terá que se envolver de maneira mais efetiva nisso. A sociedade moderna faz essa discussão de seus problemas de forma cotidiana.

 

O País não corre riscos de viver à mercê desses grupos de interesses mais influentes?
O País é assim e tem sido assim, e isso vale para o setor privado e para o setor público. Todas as sociedades possuem grupos de interesse sobre o estado. Só que aquelas que se saem melhor na forma de atender à sociedade têm democracias consolidadas, onde o estado, o governo, a política têm uma força maior para mediar, para dizer não. Enquanto nos EUA, o país mais rico do mundo, que tem renda per capita de U$ 55 mil, o salário médio de um juiz é de U$ 105 a U$ 110 mil, no Brasil é em torno de U$ 140 a U$ 145 mil/ano. Esse é um dos tantos exemplos do nosso setor público. Da mesma forma, nós subsidiamos pesadamente o setor privado, por exemplo, a indústria automobilística, enquanto que outros países do mundo cada vez fazem menos isso. No que diz respeito às reformas, nós temos, sim, uma agenda pesada, já que o Brasil deixou acumular diversos desafios estruturais. De outro lado, ainda parecemos ter um sistema político relativamente fraco para atender a essa demanda. Esse é o grande desafio que temos pela frente, e que não é pequeno.

 

Nesse contexto, como encontrar uma solução para a dívida do RS?
A dívida do RS foi formada ao longo de décadas. O RS, estruturalmente, gasta mais do que arrecada ao longo de décadas. Outros estados também fizeram e fazem isso, mas o RS, por várias razões, acumulou isso durante mais tempo e precocemente. Tem a ver com a demografia, com a formação da rede de funcionalismo público anterior a outros estados, enfim, uma combinação de fatores. Agora, a dívida, hoje, não é o maior problema. Na época em que eu estava à frente da Secretaria da Fazenda, tinha-se um conceito, que era o de que temos vários outros fatores que não dependem de nós, como reforma da previdência, dívida estrutural, repasses da união. Também temos que fazer a nossa parte. A dívida é um elemento importante, mas agora tem-se a prova de que simplesmente acertarmos sua renegociação ou obtermos perdão, não resolve todos os nossos problemas. E, pior ainda, está longe de resolver. As receitas dos estados cresceram muito nos últimos anos, seja pela relativamente boa situação econômica do País antes de 2014, pelo aumento de impostos, enfim. Mesmo tendo esse alívio da dívida, mesmo tendo crescimento da receita, os estados encontram-se nessa situação. Isso, porque o gasto corrente disparou, e esse é justamente o principal problema hoje, tanto dos estados como do País, que é como ter o controle sobre o crescimento do gasto corrente. Esse é o ponto crítico da crise. Os estados terão um alívio temporário da dívida, mas ali na frente, em 2017 ou 2018, eles terão que ser chamados novamente.

 

Como atacar o gasto corrente?
Não vejo solução rápida à frente. O estado do RS deixou a crise chegar a um ponto em que a situação não está mais ao alcance das suas ações exclusivas em solucioná-la. A solução desses problemas, nos próximos anos, vai passar por uma combinação de, eventualmente se conseguir ter alguma reforma de previdência que não fique apenas no limite de idade, mas com regras de transição mais duras, o que, certamente, deverá envolver discussões de pactos federativos e algumas atribuições de como os estados gastam e como se financiam. Provavelmente, alguma ajuda adicional da União, condicionada aos limites de gastos de cada estado. É um conjunto de ações muito complexas.

 

Quando o senhor esteve à frente da Secretaria da Fazenda do RS, durante a busca do ajuste fiscal e do déficit zero, nunca pensou em parcelar os salários do funcionalismo?
Sim, e até o fizemos no início de 2007, só que por um período de 10 dias e direcionado para níveis salariais mais elevados. Não tínhamos recursos em caixa, mas isso estava associado a um conceito que eu possuía na época, que era o de termos que aprender a viver com a receita corrente. Ou seja, a tese de que a despesa corrente do estado não poderia ser maior que a receita corrente. E isso nos serviu de referência. Ficamos praticamente dois anos sem reajuste salarial para nenhuma categoria, até conseguirmos, no final de 2008, não recorrer mais ao Banrisul para pagamento do décimo terceiro salário e, até mesmo, antecipá-lo. Mas, naquele momento nós tivemos uma condição que acho que ainda era possível fazer ajuste fiscal com medidas no âmbito da administração pública estadual. Por várias razões, tínhamos um déficit grande, mas existia uma conjuntura econômica melhor, com espaço ainda de crescimento na receita, somadas a algumas medidas de organização, distribuição tributária, nota eletrônica, enfim. Existia espaço, gorduras, para crescimento da receita, um ambiente econômico melhor, além de um controle rígido da despesa corrente, principalmente de gasto de pessoal, o que nos fazia ver que poderia dar certo lá na frente. E foi o que acabou acontecendo. Hoje, temos uma situação em que o gasto corrente descolou completamente, por vários aumentos que foram concedidos, da receita corrente. Prova é que o estado não está pagando a dívida, em função do alívio, fez o ICMS e, mesmo assim, não está alcançando seus objetivos. Então, foram situações diferentes. Tínhamos uma oportunidade e aproveitamos.

 

Como fazer reforma da Previdência que contemple o rompimento de privilégios históricos?
Não sei se será possível porque sabemos que será muito difícil politicamente. Não só para o RS, mas também para o Brasil, a única reforma será a que não possibilitará que o déficit da dívida pública seja exclusiva nos próximos anos, dado à demografia que temos. Deverá ser uma reforma que vai além do limite de idade, acrescentando aumento de contribuição e muito provavelmente, que tenha regras de transição que farão com que muitos daqueles que irão se aposentar nos próximos anos, tenham que permanecer bem mais tempo.

 

As aposentadorias especiais também?
Sim. A reforma é muito mais complexa que o limite de idade. Muitos acham que se deve colocar o limite de idade em 65 anos, equivalente para homem e mulher, e já existem propostas de 65 para homens e 62 para mulher, o que estaria completamente na contramão dos vários países que conhecemos. Isso só, não irá resolver o problema. Se olharmos os dados do IBGE, nos próximos 15 anos deveremos ter uma taxa de crescimento do número de pessoas acima de 65 anos no Brasil próximo a 4,5%. Isso representa mais que o dobro do que nós tivemos nos últimos 20 anos. Toma-se, por exemplo, um cenário de crescimento médio da economia brasileira nesse período de 2,5%, com uma expectativa de crescimento do PIB no próximo ano entre 0,5%, 1%, e quem está muito otimista fala em 1,5%. Mesmo assim, se colocarmos um crescimento da economia brasileira de 2,5% em todos os anos, - e lembrando que metade do déficit total do setor público hoje é previdência -, significa que metade desse déficit começará a crescer a 4,5% todos os anos, num PIB de 2,5%. E se considerarmos essa realidade junto com a Proposta de Emenda à Constituição (PEC), caso seja aprovada com limite de gastos, esse cálculo só funcionará se todos os outros gastos que não são da previdência e seguridade social, forem zero até o ano de 2022. Então, é óbvio que isso é impossível. Não existe PEC de controle dos gastos sem a reforma da previdência. Ela até pode ser um primeiro passo, mas não existe. E essa reforma da previdência, em função dos dados da demografia no Brasil, que são imexíveis, só vai funcionar com 65 anos, excluídos praticamente todos os regimes especiais e com uma regra de transição que vai afetar quem está na expectativa de aposentadoria. Isso, que estou traçando cenários matemáticos que pudessem resolver o problema. Só que isso tudo é de uma complexidade política gigantesca. Em outras palavras, matematicamente, isso funcionaria tendo-se essa lista de ações, entre outras mais especificamente na previdência, como aumento da idade mínima, equivalência para homens e mulheres, fim dos regimes especiais e regras de transição que comecem mais cedo.

 

O RS está muito atrasado em matéria de fiscalização?
Sempre é possível melhorar o combate à sonegação. Sempre é possível reduzir certos subsídios. Mesmo assim, não se deve deixar de fazer a grande discussão, que é a de que o gasto corrente do setor público brasileiro descolou da sua capacidade de financiamento. Acho que temos grandes distorções nos incentivos fiscais no Brasil como um todo. Na forma como são concedidos. Temos uma carga tributária elevadíssima para o nível de renda per capta que o País tem, mas ela é muito mal distribuída, entre impostos diretos e indiretos. Essa ideia de que dentro do atual sistema, de que se a gente simplesmente melhorar a arrecadação vamos resolver o problema maior do tamanho do descompasso do gasto corrente com a receita corrente, não funciona.


O Brasil já pode ser considerado um país de velhos?
Não. O Brasil ainda não é um país de velhos, mas será, nos próximos 10, 20 anos, o país das grandes economias que vai envelhecer mais rapidamente. Isso é um fato. Significa que vamos ter uma taxa de crescimento do número de aposentados mais acelerada do que qualquer outro país da OCDE ou de qualquer outra grande economia, como China, Índia, Rússia, entre outras. E vamos ter que saber lidar com isso porque significam mais gastos com aposentadoria, mais pressão no sistema de saúde. Isso tudo, só olhando a demografia, cuja pressão será muito diferente sobre saúde e educação, que, por sinal, são de péssima qualidade.

 

Em que tipo de modelo internacional o Brasil pode se espelhar?

Temos casos clássicos de como resolver o problema da educação olhando para a Coreia, por exemplo, assim como temos vários países da Europa que enfrentaram o problema da previdência, ainda que em doses homeopáticas, através de várias pequenas reformas. Tem grupos de países eu se desenvolveram mais lentamente e outros, que o fizeram de forma mais rápida, como EUA, Austrália, Coreia, Canadá, e que nos trazem diferentes lições. Temos que começar melhorando a qualidade da política no Brasil. Precisamos fazer reforma tributária, trabalhista, previdenciária, abertura da economia. Como? De qualquer forma, o embate político tem que ser feito para resolver a questão da previdência, que é clássica, e que é o grande gargalo do Brasil nesses próximos dois anos. Ou resolvemos isso, discutindo o real papel do estado, do seríssimo problema de financiamento do estado, ou se abre caminho para prejuízos fantásticos como, por exemplo, o retorno da inflação.

A Economia dos tempos do Milagre

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José Luiz da Silva Araújo

Economista, Agente Fiscal do Tesouro do Estado, da Secretaria da Fazenda do RS, aposentado
Corecon/RS Nº 2604

 

Os economistas que se formaram em 1976, na PUC, encontram-se até os dias de hoje?
Nos encontramos um sábado por mês, no inverno para uma feijoada, com uma roda de pagode, no Boteco do Natalício, no Jardim Botânico. E no verão, em algum bar ou café, para um chopp ou happy hour.

Como era a economia há 40 anos atrás, nos anos 70?
A economia, naquela época, era bem diferente. Era a época que marcou história na economia, que foi a época do milagre econômico brasileiro. Tinha o superministro Delfim Neto, que concentrava muito poder e traçou um plano de recuperação para o País. Conseguiu capital estrangeiro, atraiu empresas multinacionais, com essas empresas estimulando a economia através da indústria automobilística, eletrodomésticos e bens de consumo não duráveis, com as empresas estatais oferecendo infraestrutura, com obras de base, com transporte, comunicação e energia. E, nesse contexto, as empresas privadas iam tocando os bens de consumo, de materiais, para dar sustentação às multinacionais. Uma espécie de tripé que dava sustentação ao funcionamento da economia. E ai aumentou o consumo interno, fizeram um mercado interno forte, as pessoas começaram a consumir e, naturalmente, a fazer a roda da economia andar. Essa era a nossa concepção da época.

Como o estudante de Economia reagia, naquela época, já que era um período de ditadura militar?
O aluno da época apoiava, mesmo sendo medidas da ditadura, porque existia uma empolgação natural com o crescimento e com o desenvolvimento pelo qual estava passando o País. Existia muita propaganda. Embora na época houvesse os alunos que defendiam as propostas governistas, especialmente as do Delfim Neto, que, na sua ótica, estavam construindo alternativas e melhorando a vida do brasileiro, havia os estudantes que eram contra porque não admitiam que isso tudo fosse feito ao preço da democracia e da liberdade de imprensa.

Eles eram contra à ideologia política que estava instalada naquele momento ou às propostas econômicas que vinham sendo colocadas?
Eles eram contra o formato político que vinha se desenhando e se desenvolvendo, embora, com relação às posições econômicas, propriamente ditas, a grande maioria concordava. Afinal, para todos nós, era a época do milagre econômico, e a propaganda era muito forte, com chavões tipo “Brasil, ame-o ou deixe-o”, “Prá frente Brasil”, “Ninguém segura este País” e “Brasil: ame-o ou deixe-o”. E, somado a isso tudo, ainda vínhamos mergulhados na euforia da inesquecível vitória da Copa do Mundo em 70, no México. Tudo foi, de certa maneira, construído de forma a abrilhantar aquele período do chamado Milagre Econômico que, de certa forma, enchia a todos de orgulho. Lógico que vai se perceber, muitos anos depois, que isso tudo teve um grande custo para o País. A nossa dívida externa decorreu dali, já que o País contraiu muitos empréstimos que depois não conseguiu pagar. O governo da época também abriu linhas de financiamento para a indústria nacional, o que acabou nos endividando mais ainda.

As salas de aula da Economia eram compostas por uma média de quantos alunos?
As nossas salas de aula do básico eram formadas por uma média de 60 alunos. Lógico que, com o passar do tempo, na medida em que avançávamos os semestres, esse número ia se diluindo. Quando nos formamos, estávamos em cerca de 40 estudantes, um número já considerado bem expressivo para a época.

A formação do economista era basicamente planejamento naquela época?
Basicamente planejamento. O governo militar ampliou o controle do Estado sobre a economia fazendo o País crescer em marcha muito acelerada. Era um período de PNDs, de multiplicação de obras, muitas delas faraônicas, Itaipu, programa nuclear, além de estradas e pontes, como a Transamazônica, a Rio-Niterói, instalação de grandes siderúrgicas, enfim, um período de modernização total. Só que isso, mais tarde, acabou gerando problemas, como o aumento da dívida externa e a dependência do capital estrangeiro, com consequências ainda nos dias de hoje. Este era o cenário em que vivíamos e, portanto, uma época muito boa para quem estava iniciando ou trabalhando na economia.

O economista era valorizado já naquela época?
Sim. O economista começou a ser mais valorizado naquela época pelo setor público. Até então, o contador era muito valorizado, inclusive absorvendo algumas atividades do economista. Mas, depois, a profissão começou a ganhar espaço e valorização, recuperando muitas das atividades que eram de nossa alçada. Tanto que grande parte do pessoal do nosso grupo de formandos, da época, prestou concurso público para trabalhar como economista, fiscal de tributos e outras áreas afins à economia. Como, no meu caso e de mais cinco ou seis formandos, que fizemos concurso na época para Técnico em Economia e Finanças, da Secretaria da Fazenda, e, aprovados, fomos trabalhar juntos, assim como de mais uns três ou quatro que foram para a Secretaria do Planejamento, Obras Públicas, enfim. Eu fui para Auditor de Finanças Públicas, depois mudou o nome para Agente de Finanças, e assim foi indo, até me aposentar como Auditor de Finanças Públicas, em 1997. Hoje atuo, em cargo de comissão, na Assessoria de Planejamento e Orçamento do Ministério Público do RS.

Onde o economista formado buscava atualização e qualificação?
Normalmente, nas universidades. Embora muitos colegas, assim como eu, buscassem aprimoramento de suas atividades na Escola de Administração Fazendária, da União, que fica em Brasília. Também tinha a STN, que servia de fonte de qualificação para os profissionais com nosso perfil, das áreas de orçamento e finanças. As universidades não se voltavam para essa área. Já existia um órgão de muita expressão, que é a Associação Brasileira de Orçamento Público (ABOP), a qual já tive a honra de presidir. Fundada em 1964, era centralizada na União e tinha regionais em todos os estados. Era um órgão muito forte. Nos anos 60, 70 e até mais recentemente, a ABOP exercia um papel fundamental em nossa área, de grande expressão, porque naquela época não existia internet, e as novidades no setor nos chegavam através desse órgão, via telefone, carta, etc. e era uma referência total. Hoje, logicamente, perdeu muito dessa força porque, com todos esses meios de comunicação proporcionados pela era digital, se acessa às novidades via internet, com informações do mundo inteiro.

O que levava o jovem a optar pelo curso de Economia?
Acredito que o motivo principal era a expectativa de poder participar daquele momento em que o pessoal via na economia um caminho e uma forma de poder participar, de crescer e desenvolver junto. E percebia-se isso de forma muito clara nos debates e discussões que eram realizados semanalmente nas dependências da Faculdade, normalmente promovidas pelo grêmio estudantil (CAVM).

Nos tempos atuais, o grupo de economistas da época de vocês atua no setor público ou privado?
Hoje, a grande maioria dos nossos colegas, daquela época, atua na iniciativa privada, embora tenham muitos colegas que atuam ainda hoje no setor público.

A Economia e os indicadores de corrupção

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André Carraro
Economista, professor Universidade Federal de Pelotas (UFPel)
Corecon/RS nº 6402


O que estuda a Economia da Corrupção?
A linha de pesquisa em Economia da Corrupção tem por objetivo analisar as causas e consequências da corrupção em uma região, dando enfoque para a racionalidade existente em uma relação corrupta. Os estudos da Economia ajudaram a compreender as motivações existentes na ação corrupta e, também, na definição do ato. É usual utilizarmos o conceito de corrupção empregado pelo Banco Mundial, segundo o qual a corrupção é o uso do poder público para obter benefícios privados.

Quando a corrupção passou a ser foco de estudo?
A corrupção começou a ser estudada de forma mais pragmática, com indicadores de corrupção, a partir do indicador da Transparência Internacional, que começou a ser usado em diversos países do mundo, como a principal medida da percepção de corrupção nas sociedades. E, mais recentemente, no Brasil, o Tribunal de Contas da União criou um cadastro de projetos de contas irregulares de transferência de recursos do governo federal, dirigidos para os governos estaduais e municipais, o que, de certa forma, tem sido muito utilizado também para medir a incidência de corrupção nas diferentes regiões e municípios.


Como se chega a esse indicador de corrupção?
Existem dois grandes focos. O pioneiro, da Transparência Internacional, é construído através de entrevistas com especialistas de países, que fazem parte de órgãos internacionais, e que respondem a questionamentos sobre como ele percebe a corrupção existente no seu país, na sua região. Trata-se de um indicador de percepção, que vai de zero a 10, sendo que, quanto mais próximo de zero mais corrupto é o pais, e quanto mais próximo de 10, menos corrupto é o país. Outro foco são os indicadores objetivos, que não capturam a percepção das pessoas, mas que têm como fonte algum material mais objetivo sobre corrupção. E aí existem algumas iniciativas ainda pioneiras no mundo, no que diz respeito a construir base de dados a partir de investigação objetiva sobre processos que envolvem recursos públicos e que por algum tipo de tribunal de contas, tribunal de auditoria, é avaliado e, nele, encontrado indícios de desvios da verba pública, superfaturamento, fraude ou desvio de recursos públicos.

Qual o perfil desses países que apontam corrupção?
Segundo a Transparência Internacional, não existe país no mundo que não tenha algum tipo de corrupção, independentemente de etnia, religião, raça ou localização geográfica. Corrupção é um problema que abrange todos os países do mundo, em maior ou menor grau.

Que países apontam maiores indicadores de corrupção?
A maior incidência, em termos de continente, é no africano, onde estão os países com os piores indicadores de existência de corrupção na sociedade. Existe alguma evidência de que a corrupção está muito relacionada à existência de governos fracos, que não têm instituições estáveis, que não têm estabilidade política, que não têm estabilidade civil, em sociedades onde o governo tolera ou incentiva relações de atividades corruptas entre seus membros e da sociedade. Na América do Sul, os dois países com melhores indicadores são Chile e Uruguai. E chama atenção como o Uruguai nos últimos anos tem melhorado a percepção de corrupção. O Brasil tem ficado, há algum tempo, com indicador da Transparência Internacional entre 3,8 ou 3,5 ou 4, que é um desempenho razoável na média da América Latina. Os países no mundo com menor percepção de corrupção são os países do norte da Europa, como Noruega, Suécia, Finlândia, que são países que têm ao longo dos anos mantido indicadores muito bons na percepção de corrupção.

É um processo cultural?
Não é uma questão de cultura ou de colonização. Existem países que foram colonizados pela mesma potência na época medieval e que têm indicadores diferentes de corrupção. A vertente econômica que tenta aplicar isso dá conta da existência de muitos monopólios dentro do governo. E na presença de monopólios dentro do governo passa a percepção ao funcionário publico de que apenas ele pode ofertar aquele serviço e que apenas ele tem direito de ofertar o alvará para a licença. Então, ele restringe a quantidade porque não existe controle eficiente para se saber como está a oferta daquele serviço, passando-lhe a sensação de poder transferir aquilo para si como sua propriedade. Ou seja, transformando aquilo que seria público em privado e o vendendo, ocorrendo, neste caso, a incidência de corrupção dentro da estrutura de governo, que é a corrupção burocrática. Então a vertente de estudo da economia ressalta a existência de monopólios dentro do governo, onde secretarias, departamentos do governo, oferecem algum tipo de licença que não tem competição com nenhum outro departamento do setor público, deixando o representante da sociedade refém desse agente, tendo que aceitar a propina sob risco de seu processo não andar.

Tem-se uma ideia desses números no Brasil?
Todos os trabalhos que tentam estimar o volume de recursos envolvidos com corrupção, ou o custo econômico da corrupção, cometem algum tipo de falha, ou porque subestimam ou porque superestimam o volume de recursos. Em 2006, estimei esse volume em 11%. Os estudos mais recentes dizem que eu superestimei o custo. O último trabalho sobre volume de recursos envolvidos de corrupção, publicado num artigo em 2016, estimou em 2,79% do PIB, o equivalente a aproximadamente R$ 1 mil por pessoa/ano. Um valor desses, considerado relativamente baixo, faz com que se pense que essas ações não são muito prejudiciais e, talvez por isso, se tolere tanto a corrupção. Um outro problema é que não existe um consenso se corrupção diminui ou acelera o crescimento. Existe aquela famosa frase de que o político tal “rouba mas faz”, e se ele faz estrada, viadutos, então o dinheiro está girando. Como o dinheiro não vai para fora do país, então, de alguma forma, esse dinheiro ajuda a atividade econômica. Se tenho um país em que o setor público é muito engessado, muito lento, talvez a propina seja aquele facilitador em que os processos administrativos fluam mais rapidamente e, aí sim, passaria a funcionar o investimento privado. Se tenho um governo que não é engessado e é mais flexível, a corrupção prejudica mais a economia. Mas parece que no curto prazo a corrupção concentra o benefício, mas concentra o custo no longo prazo. Para as gerações futuras, a corrupção prejudica mais do que para a geração atual. A geração atual vive com o benefício da corrupção, mas, no longo prazo, a estrada tem que ser refeita, os buracos reaparecem, os telhados das escolas começam a cair, e aí o governo gasta novamente recursos para fazer o que já estava feito e tem-se, com isso, uma redução do crescimento econômico no longo prazo.

Novas medidas econômicas e a Construção Civil

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Assilio Luiz Zanella de Araújo
Corecon RS nº 8168
Economista Sinduscon-RS, Mestre em Economia PPGE/UFRGS

 


Como está a situação da indústria da Construção Civil no Rio Grande do Sul?

A indústria da Construção Civil no RS, assim como no restante do país, está passando por um momento extremamente delicado. De outubro de 2014 até o momento, foram fechados mais de 20 mil postos de trabalho no setor e o PIB contraiu aproximadamente 10% no acumulado deste período. A previsão para este ano é de mais uma queda na atividade do setor. Porém, o impacto no mercado de trabalho, em termos de fechamento de postos de trabalho, até então, tem sido menor do que no ano passado. É importante destacar que a contração na atividade da Construção Civil tem um efeito negativo em uma série de setores relacionados, especialmente na indústria de materiais de construção. A venda de cimento na Região Sul, por exemplo, de acordo com os dados do Sindicato Nacional da Indústria de Cimento, apresentou uma retração de 5,3% na comparação com os seis primeiros meses do ano passado. No Brasil, essa queda foi de 14%.

Quais as perspectivas, levando em conta as recentes medidas econômicas do governo Temer?

O governo Temer tem demonstrado disposição em destravar os programas de Parcerias Público-Privadas (PPPs) e as concessões em infraestrutura. Esses programas são a grande esperança do setor para os próximos anos. Por outro lado, o mercado imobiliário sofre com o conservadorismo na condução da política monetária, que impede a retomada dos financiamentos, e com as indefinições em torno dos programas de habitação popular, mais particularmente as regras e o montante que será investido no Programa Minha Casa, Minha Vida. Portanto, as perspectivas são de que, passado um período de ajuste, o segmento de infraestrutura alavanque o crescimento do setor. Porém, há ainda muitas indefinições também nesta área, como por exemplo, quais serão as empresas que levarão adiante essas obras. No mercado imobiliário, a situação não é menos complexa. Além das dificuldades decorrentes do alto nível de taxa de juros e da impossibilidade de desenvolvimento de fontes alternativas de financiamento diante desse quadro, algumas capitais enfrentam o problema de super oferta criado no período de boom deste mercado. Em Porto Alegre e outras cidades menores não há este problema, logo apresentarão uma recuperação mais rápida.

O mercado imobiliário já aponta para alguma tendência de reação?

Os números do mercado imobiliário ainda estão bastante negativos. O número de lançamentos imobiliários em Porto Alegre apresentou uma retração de 13,73% nos primeiros cinco meses deste ano em relação ao mesmo período do ano passado, enquanto as vendas tiveram uma queda de 16,64% nesta mesma comparação. Comparando 2015 com 2012, observa-se uma queda de 55% no número anual de lançamentos. Entretanto, a pesquisa de expectativas, realizada pelo Sinduscon-RS em parceria com uma consultoria especializada do setor, mostra que a percepção em relação ao momento atual e à evolução futura deste mercado vem melhorando nos últimos meses, especialmente no horizonte de médio prazo (no caso desta pesquisa, 12 meses). É interessante notar que essa melhora nas expectativas aparecia inicialmente apenas entre os empresários, em função, provavelmente, dos desdobramentos políticos recentes. Mas, no último mês, observamos também uma variação positiva no índice que capta as expectativas dos consumidores deste mercado.

As recentes medidas adotadas pela CEF podem impulsionar o setor?

Não acredito que irão gerar um efeito muito significativo. As medidas anunciadas foram as seguintes: aumento do valor máximo do imóvel, que pode ser financiado dentro do Sistema Financeiro Imobiliário (SFI), de R$ 1,5 milhão para R$ 3 milhões; ampliação do percentual financiado para imóveis acima de R$ 650 mil (no caso de Porto Alegre) ou de R$ 750 mil (outras capitais), de 60% para 70% em imóveis usados e de 70% para 80% em imóveis novos; e elevação do percentual do financiamento, que pode ser transferido de outras instituições para a CEF, de 50% para 70%. Segundo a Pesquisa do Mercado Imobiliário do Sinduscon-RS, aproximadamente 20% das unidades vendidas estão nessa faixa acima de R$ 650 mil. A minha impressão é que a ampliação do teto do valor do imóvel de R$ 1,5 milhão para R$ 3 milhões, em particular, foi adotada para atender às grandes empresas de São Paulo e Rio de Janeiro, que possuem um estoque nessa faixa de valor.

Até que ponto os altos índices de inadimplência podem inibir o crescimento do setor?

Na verdade, a inadimplência permanece extremamente baixa, em torno de 2%. O problema é o alto nível de distratos, o cancelamento de contratos de comercialização. Com a mudança nas condições de crédito e na perspectiva de valorização dos imóveis, por um lado, e a possibilidade de perder o emprego por outro, as pessoas têm voltado atrás na sua decisão de comprar um imóvel e/ou se veem impossibilitadas de fazê-lo quando este fica pronto e precisam contrair o financiamento junto aos bancos. Isso faz com que as incorporadoras tenham que reincorporar este imóvel distratado nas suas carteiras, incorrendo novamente nos custos de marketing e comercialização, assim como nas despesas inerentes ao fato do imóvel estar parado. O impacto disso para as incorporadoras é bastante substancial, mas afeta principalmente as grandes empresas, que possuem maior fôlego para aguentar esses percalços.

Quais as expectativas do setor frente ao governo interino de Temer?

Não tenho procuração para falar pelo setor. Eu pessoalmente não deposito grandes esperanças neste governo, mas vejo um maior ânimo nos empresários da Construção Civil e uma expectativa (na minha visão, ingênua) de que com a saída do PT do governo tudo será melhor. A conferir.

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