A teoria econômica e o combate ao crime


mauro salvo

Mauro Salvo
Economista
Corecon/RS Nº 5630

 

 

De que forma a teoria econômica pode contribuir para a elucidação de crimes?
Gary Becker, com o artigo seminal de 1968, “Crime and punishment: an economic approach”, impôs um marco à abordagem sobre os determinantes da criminalidade ao desenvolver um modelo formal em que o ato criminoso decorreria de uma avaliação racional em torno dos benefícios e custos esperados, comparados aos resultados da alocação do seu tempo no mercado de trabalho formal. A partir de Gary Becker, os economistas vêm ficando cada vez mais convencidos de que incentivos de ordem econômica podem ser fatores determinantes no envolvimento dos indivíduos com o crime, pelo menos no que diz respeito aos delitos contra a propriedade.

Quando se pode classificar um crime de econômico?
São os crimes que de alguma forma ferem o direito à propriedade. Ocorrem sempre que um indivíduo ou organização criminosa se apropria de forma indevida da renda ou riqueza de terceiros. Pode ocorrer mediante fraude, como crimes de colarinho branco, ou com uso da força, através de roubos e sequestros. É importante ressaltar, no entanto, que não são classificados como econômicos os crimes passionais, ou por intolerância religiosa ou racial, por exemplo.

Do que trata a teoria econômica do crime?
A ideia central é a de que às ações ilícitas dos criminosos de carreira subentenda uma avaliação individual, da parte deles, da relação custo/benefício em delinquir. Segundo essa teoria, o cometimento da ação criminosa, na avaliação do potencial delinquente, dependeria de três fatores: o tamanho da recompensa proporcionada pelo cometimento do crime (caso a ação criminosa seja exitosa); a probabilidade de ser preso e condenado; e o rigor da pena a cumprir (caso a ação malogre). Ou seja, quanto maior o tamanho da recompensa potencial em delinquir, maiores serão os índices de criminalidade, enquanto que, ao contrário, quanto maiores as probabilidades de prisão e de apenamento rigoroso, menores serão os índices de criminalidade.

Como pode ser aplicada a Teoria Econômica do Crime?
A teoria nos ajuda a compreender o comportamento do criminoso. Dessa forma, em muitos casos, podemos prevê-lo e identificá-lo. A teoria tem se mostrado eficaz quando aplicada aos chamados crimes contra o patrimônio, como sonegação fiscal, lavagem de dinheiro, corrupção, roubos ou furtos entre os outros.

A Teoria Econômica do Crime pode ajudar a aprimorar as leis e a combater o crime?
Ao identificarmos mais precisamente as motivações, ou incentivos, dos criminosos, podemos formular leis e normas que desincentivem tais condutas, bem como monitorar comportamentos atípicos. A estratégia básica seria aumentar os custos do ilícito e a percepção da probabilidade de punição.

A onda de corrupção que vem tomando conta das manchetes dos jornais é considerada crime econômico?
Sim. A corrupção é um tipo clássico entre os crimes econômicos, por tratar-se de uma apropriação indevida de recursos. Economias que enfrentam elevada ocorrência deste tipo de crime tendem a apresentar maiores ineficiências nos processos produtivos, provocando danos a sua competitividade. Outro aspecto negativo é que pode tornar o país desinteressante para investimentos eficientes e produtivos e atrair capitais de má qualidade. O superfaturamento das despesas públicas, sejam elas serviços, obras, aquisição de materiais e equipamentos é um dos casos clássicos. Outro caso recorrente é a cobrança de propina para obter alguma facilidade de órgãos públicos, tais como fraudar uma licitação ou a obtenção de alguma licença entre outros. O problema da corrupção é que tal prática não é eficiente do ponto de vista macroeconômico e social. Quando endêmica, gera desincentivos, pois afugentam os bons investimentos, inibem o desenvolvimento de inovações, aumentam os custos de transação e reduzem a concorrência. Em suma, os recursos econômicos deixam de ser alocados de maneira otimizada, reduzindo o bem-estar em decorrência da concentração da renda e da riqueza. Dessa forma, a corrupção é mais do que um desvio ético e moral, constitui-se também um crime econômico.

O difícil equilíbrio da Previdência

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Darcy Francisco Carvalho dos Santos
Corecon/RS Nº 3755
Economista, vice-presidente Corecon/RS

 

 

Qual o déficit atual da previdência pública do Estado?
O déficit da previdência pública gaúcha estava, em 2015, em R$ 8,5 bilhões. Da receita corrente líquida, que é a receita que pertence ao Estado, são gastos 38% com inativos e pensionistas. Como desse valor, uma parte é paga pelos funcionários, fica faltando em torno de 34%. Ou seja, de cada R$ 3,00 que o Estado arrecada, R$ 1,00 ele gasta com a Previdência. O déficit está em torno de 26% da receita corrente líquida, um pouco menor, porque tem a contribuição patronal do Estado.


Qual é o grande problema das aposentadorias?
O grande problema do Estado são as chamadas aposentadorias especiais. Tomando como referência o servidor do sexo masculino, em que a exigência é de 35 anos de contribuição e 60 anos de idade, 87% dos servidores estaduais são beneficiados por aposentadorias especiais, que permitem a inatividade com 10 ou cinco anos a menos, tanto na contribuição como na idade. Os professores, por exemplo, cujas mulheres correspondem a 90% dos casos, se aposentam com 10 anos a menos, com idade mínima de 50 anos. Outro caso é o dos policiais, que entram na inatividade com 30 anos para o homem e 25 anos para a mulher, sem idade mínima. Esse é o grande problema, tanto que o atual fundo de previdência, criado para solucionar o problema, quando chegar na década de 2080, estará com déficit enorme, sem qualquer tipo de solução, se, pelo menos, não se fizer algo com relação à idade mínima. Ele apenas substituirá o atual sistema de repartição deficitário. A referência da década de 2080 é porque, quando se fala em previdência, fala-se em cenário de longo prazo.

O que pode ser feito de imediato?
Tem que aumentar a idade mínima porque a alíquota já está em 13,25% e o Supremo entende que desconto superior a 14% já e confisco. Não tem sentido se imaginar que, enquanto nos países desenvolvidos os trabalhadores, tanto homem como mulher, se aposentem com 65 ou 67 anos, no serviço público estadual do RS, a metade dos servidores se aposente de idade mínima de 50 anos e uma quarta parte sem essa exigência.


As reformas da Previdência não resolveram esse problema?
As reformas da Previdência de 1998 e de 2003, embora tenham apresentado alguns avanços, mexeram pouco na idade mínima. Ficou estabelecido que o trabalhador, a partir dali, passaria a se aposentar pela média de contribuição. No entanto, ao mesmo tempo em que fez isso, criou uma exceção. Quem, por exemplo, tiver 20 anos de serviço público, 10 anos na carreira e cinco no cargo, ficará beneficiado pela integralidade e pela paridade. Então, uma mexida forte na previdência, embora gerando descontentamentos, deverá acabar com essa exceção, estabelecendo a média das contribuições desde já.


Qual a idade ideal para a aposentadoria, de forma que não afetasse o equilíbrio da Previdência?
Acho que a idade ideal seria uns 65 anos para o homem e, para a mulher, talvez um pouco menos, algo em torno de 63 anos. Nós estamos atualmente com 60 para o homem e 55 para a mulher. Mas volto a insistir que o problema maior são as aposentadorias especiais, no caso as do professor e dos policiais civis e militares, que correspondem a, aproximadamente, a 73% dos servidores. Se não mudarmos isso, nunca vamos alcançar o equilíbrio. A alíquota de contribuição necessária ao equilíbrio para uma professora deveria ser de 60%, ou seja, 40% sob responsabilidade do Governo e 20% dela, ou 30% de cada parte. No caso dos militares, a quem não é exigida a idade mínima, a contribuição seria ainda maior. Não existe equilíbrio atuarial para o cenário que está aí. Temos consciência de que Previdência é algo que mexe com sentimentos, mas se alguém receber benefício sem o pagamento respectivo, outras pessoas terão que pagar por isso, por meio de impostos. Em economia não existe nada de graça em caráter permanente. A conta, cedo ou tarde, ela chega.

Pela superação da crise!

julio miragaya

 

Júlio Miragaya
Economista, Presidente do Cofecon

 

 

Por que o Cofecon lançou o Manifesto “Superar a crise política é condição para a superação da crise econômica”?
O documento “Superar a crise política é condição para a superação da crise econômica”, que foi aprovado por unanimidade dos conselheiros federais, refletiu o entendimento destes de que a crise política tem “travado” a resolução da crise econômica, e esta tem prejudicado a condição de vida de milhões de brasileiros.

Não existe possibilidade de o País reencontrar o crescimento econômico enquanto não solucionar totalmente o cenário político atual?
Naturalmente que há a possibilidade, mas o entendimento é de que seria muito difícil.

O que deveria ser feito para mudar esse cenário?
O documento sugere mudanças na política econômica, começando pela redução da taxa básica de juros, que inibe o investimento (público e privado), sangra o orçamento público e encarece o crédito. Também, cobra do Congresso Nacional maior responsabilidade, evitando a chamada “pauta bomba”, que ampliaria a crise fiscal.

Qual o tempo que a economia brasileira pode esperar?
Evidentemente, não há tempo definido, mas quanto mais tempo perdurar, pior para o país.

 

NOTA

O presidente do Conselho Federal de Economia (Cofecon), economista Júlio Miragaya, será o palestrante do próximo Economia em Pauta, que acontecerá no dia 31 de março, quinta-feira, às 18h30min, no Hotel Plaza São Rafael, em Porto Alegre. O presidente falará sobre "Conjuntura Econômica Nacional".

Será fornecido um certificado de 2 horas complementares aos estudantes que participarem do evento.

Na oportunidade, será servido um coquetel aos presentes, com a cortesia da Água Mineral Sarandi, Fante/Cordelier e Plaza São Rafael.

Informações e reservas pelo e-mail Este endereço de email está sendo protegido de spambots. Você precisa do JavaScript ativado para vê-lo. ou pelo fone (51) 3254.2600.

Prevenção da Amazônia e a ótica internacional

 

bram buscher

 

Bram Büscher
Professor, Wageningen University and Research Centre
(Holanda)

 


Com base em sua experiência no controle da caça ilegal e preservação das matas da África, como o senhor vê a questão amazônica?
Eu realmente estou muito interessado nesses estereótipos da Amazônia e quero ir além desses discursos que colocam a floresta amazônica como pulmão do mundo, de uma imagem de Amazônia intocada, ou como uma região que nunca tivesse sido ocupada antes, ou onde ninguém antes tivesse vivido. Gosto de ver a Amazônia como um espaço social, com vida, com pessoas que estão constituindo relações sociais ali. Estou interessado em ver no campo, in loco, como essas relações com a Amazônia, com a Mata Atlântica, estão acontecendo. Do ponto de vista internacional, interessa saber, também, a forma como a Amazônia e a Mata Atlântica são apresentadas, quem, por exemplo, enquadra aquela região como o pulmão do mundo, e o que as pessoas ganham com isso.

Qual a melhor forma de garantir a preservação da Amazônia?
Pra mim, é uma questão bastante central a atenção aos fatos, tanto no longo prazo, como no curto prazo. Geralmente as pessoas ficam muito aflitas por questões urgentes e precisam de uma resposta imediata e, diante disso, precisamos pensar numa resposta que seja a curto prazo, mas também pensar qual será a estratégia para lidar com essa questão no longo prazo. E, na maior parte das vezes, essa estratégia a longo prazo, e vejo isso na África do Sul, e creio que no Brasil também é o caso, a estratégia passa pelas relações com a comunidade. E um dos grandes problemas das relações com a comunidade é a intensidade da desigualdade, tanto aqui no Brasil como na África do Sul. Os dois estão entre os países mais desiguais do mundo. Então, se você pensa em politicas estratégicas que ataquem essa desigualdade, você consegue reduzir essa pressão e, dessa forma, as pessoas não precisam lutar de uma forma tão violenta pelos recursos naturais como num contexto de extrema desigualdade. Então, essa é uma estratégia que seria necessária para proteger a Amazônia.

O mundo tem uma visão romântica da Amazônia?
Sim, com certeza, tem muitas pessoas com uma visão romantizada da Amazônia. Do ponto de vista europeu, às vezes, as pessoas ficam mais confortáveis com essas imagens da Amazônia, ou da África, ou da Indonésia. As pessoas associam a imagem da África ao safari, por exemplo, e se sentem confortáveis em pagar para manter aquele pensamento sem ter o trabalho de entender que, localmente, tratam-se de relações políticas mais complexas, com muito mais nuances. Pra mim, como europeu, é muito interessante estar no campo e entender toda essa complexidade que acontece em torno dessas questões, e poder mostrar para essas pessoas que pensam que, apenas pagando, irão resolver a questão. Lembro de um artigo, de um colega, que li, intitulado “A Amazônia é um lugar legal para se preservar, mas eu não quero morar nele”. É que, em certa oportunidade, o autor levou estudantes norte americanos para um local da amazônia colombiana e, ao chegar lá, os estudantes ficaram apavorados, pelo excesso de calor, umidade e de mosquitos.

De onde vem essa visão romantizada?
Essa visão romantizada da natureza é historicamente muito recente. Vem a menos de dois séculos e está muito ligada ao capitalismo, que, cada vez que começa a avançar, com seu domínio tecnológico, sobre a natureza, ela deixa de ser vista como um lugar assustador, como acontecia antigamente, e passa a ser vista como um lugar frágil, um lugar a ser preservado. E, por isso, é essencial entendermos as relações sociais que se dão no campo, no terreno onde as coisas acontecem, para poder povoar, trazer uma ideia mais realista de como são esses lugares, e não ficarmos com essa ideia absolutamente romantizada. Essa não é uma solução. Qualquer pessoa que vier com soluções fáceis para um problema complexo está errada. Não está agindo corretamente. Não existe solução fácil para um problema dessa dimensão. Por isso temos que enfrentar esses problemas, questões sociais de longo prazo, e, sobretudo, desigualdade. Lembro que, no ano passado, uma importante ONG, chamada Oxfam, mostrava que 62 pessoas no mundo detêm mais riqueza do que 50% da população da terra, o que é absolutamente insano.

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