A safra de verão do RS e o mercado internacional

antonio da luz

 

 

Antonio da Luz
Conselheiro Corecon/RS, Economista-Chefe do Sistema Farsul
Corecon/RS nº 7549

 

Quais as expectativas para os principais grãos na safra de verão no RS?
Os produtores colheram a maior safra da história em 2015, um forte crescimento de 13% em relação ao ano anterior. Para 2016, a área aumentou 1%, o que significa que a intenção dos produtores era crescer em 2016. Entretanto, primeiramente o atraso no plantio e em seguida as enchentes, ambos ocasionados pelo excesso de chuvas, determinaram perdas imediatas e projeção de queda de produtividade. Com isso, deveremos ter uma queda de 6% na produção para a safra deste ano.

Quando já se podem ter os primeiros resultados da safra de grãos?
Em fevereiro, já há colheita de milho e de arroz. Mas o forte da safra ocorre entre abril e maio.

Entre os principais grãos, arroz, feijão, milho e soja, quais produtos têm a melhor relação de preços para o produtor?
De forma generalizada, os preços dos grãos estão muito baixos no mercado internacional, seja pela queda ocasionada pelos fundamentos de mercado de outras commodities, que terminam refletindo nas commodities agrícolas, como é o caso dos metais e petróleo, ou seja pelo excesso de oferta de grãos no biênio 2014-15. No Brasil, ao contrário do que está acontecendo no mundo, os preços estão em patamares bons em razão da taxa de câmbio. A depreciação do real não impacta da mesma forma no preço de todas os grãos, pois quanto mais internacionalizada for a produção, como no caso da soja, maior correlação entre a taxa de câmbio e o preço. Já para grãos com baixa internacionalização, como o feijão, por exemplo, a taxa de câmbio exerce uma influência menor. Como os preços da soja são os mais influenciados pela taxa de câmbio, então, ela sem dúvida, é a maior beneficiada.

De que forma isso vem se refletindo na alteração da área plantada?
Os produtores rurais, como qualquer empresário que opera em mercado atomizado, têm sua curva de oferta diretamente relacionada ao preço. Quanto maior o preço, maior é a tendência de aumento da produção. Os preços estão em patamares mais elevados de maneira geral, dando os incentivos para um aumento geral da área para o próximo ciclo. Aqueles preços que aumentaram em maior magnitude, como o caso da soja, trouxeram uma elevação da área plantada maior, em torno de 5%.

Quais os impactos da depreciação do real nos resultados finais da safra?
A taxa de câmbio exerce uma influência bidimensional nos mercados agropecuários, pois impacta nos custos de produção e na receita recebida. Os custos de produção são afetados de forma generalizada, pois as produções agropecuárias, salvo exceções, utilizam semelhantes pacotes tecnológicos e com composições de produto importado e nacional muito semelhantes. Se a taxa de câmbio aumenta, os custos de produção também se elevam de forma generalizada. Já as receitas, que dependem do preço recebido, têm um comportamento distinto, dependendo do grau de internacionalização do produto. Para grãos como soja, há ganhos líquidos significativos com a apreciação da taxa de câmbio, enquanto que, para produtos onde o mercado interno exerce maior poder de determinação do preço. No caso do arroz, nesse cenário, os ganhos são limitados ou nulos, e no do feijão, há perdas.

De que forma o fim dos impostos dos produtos de exportação agrícolas argentinos, decretados recentemente pelo governo Macri, pode influenciar nos números desta safra?
O governo Kirshner reeditou medidas que, reconhecidamente, já haviam fracassadas ao longo do século passado. Como brasileiros, devemos estar atentos a estes resultados, pois há diversas pessoas que desejam que o Brasil cometa os mesmos erros da Argentina. A intenção do governo era aumentar a taxa de industrialização dos produtos agropecuários, pressupondo que estes não possuem valor agregado. O resultado, como era de se esperar, foi um desastre. As exportações da famosa carne argentina foram no ano passado 156% inferiores às do ano imediatamente anterior à medida. O maior estoque mundial de soja está na Argentina, sendo mais do que o triplo da China, que é o maior consumidor. O famoso trigo argentino teve a menor área plantada em 110 anos no ano passado, graças também a essas medidas. O resultado prático dessas medidas é que a agropecuária argentina está sucateada. As indústrias fornecedoras, como máquinas agrícolas, fertilizantes, química, farmacêutica, entre outras, minguaram. Os serviços especializados sofreram uma grande depressão e as indústrias compradoras do produto, as supostamente beneficiadas, encolheram sua produção para patamares inferiores às medidas. Somado a isso, ainda perderam o ciclo de expansão de algumas commodities. Foi um caos para o país. Eu não acredito que a próxima safra seja muito influenciada pela Argentina, pois a cadeia produtiva, à montante e à jusante da agropecuária, estão em muito mau estado. Entretanto, as medidas do novo governo vêm ao encontro da pauta do empresariado e, em alguns anos, deverão voltar a ser importantes. Meu único receio é o imenso estoque de soja, que poderá inundar o mercado, caso a tributação venha a ser retirada toda de uma vez.

Como fica a tendência da área plantada da soja, nosso principal grão de exportação, para os próximos anos, em função dos preços internacionais?
Os preços internacionais estão baixos, não por falta de demanda, mas por excesso de oferta. Nós continuamos a expandir a oferta porque a taxa de câmbio mascara a queda dos preços lá fora. Creio que enquanto o real continuar depreciado nós poderemos, no mínimo, manter a área plantada. Caso haja uma inflexão na trajetória da taxa de câmbio, possivelmente precisaremos fazer as mesmas correções na oferta que estão sendo feitas lá fora.

Como está a relação custo de produção/lucro desta safra?
As margens de lucro estão extremamente achatadas. Os custos de produção aumentaram em média 25% entre as safras 2015 e 2016. O principal item, como já mencionado, foi a taxa de câmbio, mas tivemos também fortes aumentos nos combustíveis, na energia elétrica e nos juros do crédito. É bem verdade que os preços recebidos também aumentaram, mas a expectativa de menor produtividade em razão do “El Niño” coloca todo o mundo em risco elevado.

O impacto chinês no mercado brasileiro: seria a crise mundial?

julcemar geral2

 

Julcemar Bruno Zilli
Economista
Corecon/RS nº 7452

 

O que está acontecendo com a economia chinesa? Trata-se de uma bolha?
O crescimento apresentado pela China nos últimos 10 anos foi sempre superior a 10% ao ano, indicando que, em média, de 10 em 10 anos sua economia teria capacidade de dobrar de tamanho. Entretanto, em 2015 o avanço econômico chinês foi da ordem de 7% ao ano, abaixo do esperado, sendo a menor taxa anual para o país em 25 anos. Os ganhos observados com Produto Interno Bruto (PIB) chinês fizeram com que os governantes buscassem mudanças no perfil de sua economia, tentando passar de um modelo exportador para uma economia voltada ao consumo interno. Isso tudo foi possível porque o Banco Central da China se comprometeu a apoiar o crescimento sustentável do país e passou a limitar investimentos do exterior. As exportações, que apoiavam a economia chinesa, passaram a cair e o governo precisou desvalorizar o Yuan. Diante do menor crescimento verificado na China, a procura por commodities, como o petróleo, minério de ferro, soja, açúcar, reduziu-se, afetando boa parte dos países exportadores, especialmente o Brasil, que é um parceiro comercial na comercialização de produtos para a China.

Não se trata de uma “bolha” chinesa?
Não se trata de uma “bolha”, visto que o crescimento continua existindo, a menores taxas, mas, mesmo assim, crescendo mais do que todas as demais nações. Trata-se de um processo necessário para ajustar as taxas de crescimento elevadas que se verificaram nos últimos anos. Portanto, os avanços da China aqueceram as economias emergentes, gerando dependência significativa ao país asiático, especialmente, e isso tem conjecturado expectativas sobre como a China irá se inserir nesse novo cenário de crescimento mais modesto e como os países que se tornaram dependentes da China vão se comportar perante essa nova realidade econômica.

Por que a crise das bolsas chinesas tem abalado os mercados internacionais?
As preocupações em torno da economia chinesa têm afetado os mercados internacionais porque provocam fuga de ativos considerados mais arriscados, interferindo negativamente nas cotações das principais bolsas de valores do mundo. A forte turbulência nos mercados ocorre porque há indicações de que a desaceleração da economia chinesa poderá ser maior do que vêm indicando as projeções para o PIB oficial. Análogo a isso, as ações governamentais de socorro à bolsa chinesa vêm afastando os poupadores e atraindo mais especulação. O movimento recente do Banco Central da China de desvalorizar o Yuan também levou a um choque negativo no desejo de risco e elevou a preocupação de contaminação no crescimento global, mesmo que o governo também esteja “guerreando” para alcançar a média anual de crescimento econômico de ao menos 6,5% ao ano, entre 2016 e 2020. O Fundo Monetário Internacional (FMI) tem registrado que a desaceleração da China e a forte queda de seu mercado acionário não é o anúncio de uma crise, mas apenas um ajuste “necessário”, devido às elevadas taxas de crescimento verificadas, que se tornaram insustentáveis no longo prazo. Portanto, a redução nos contratos internacionais de commodities tem impactado na cotação das ações das empresas porque a lucratividade das empresas tenderá a reduzir-se pela menor demanda de produtos da China. Assim, o mercado acionário apresenta reduções nos valores das ações, afetando os indicadores de negócios e valores das principais bolsas de valores mundiais.

Se for confirmada desaceleração ainda maior da economia chinesa, que tipo de impactos sofrerão as economias do terceiro mundo, entre elas a do Brasil?
Os impactos nas economias emergentes podem ser vistos, principalmente, no comportamento do valor das ações negociadas nas bolsas de valores. No caso brasileiro, as cotações das ações negociadas na Bm&fbovespa têm apresentado quedas seguidas, indicando perda de valor de mercado. Além do impacto no preço de commodities internacionais e menor volume exportado para a China, um menor crescimento chinês pode ocasionar uma fuga maior de recursos das economias emergentes, como o Brasil. A maior incerteza quanto ao encaminhamento do efeito China nas demais economias gera pressão cambial sobre o dólar e, com isso, se desvaloriza a moeda brasileira. O Brasil tem um sistema de fixação de câmbio considerado limitadamente flutuante, sendo que o Banco Central (BACEN) faz intervenções quando as oscilações apresentam elevadas magnitudes. Nesse caso, ocorre a venda de dólares por meio de leilões, que visam inundar o mercado com dólares, controlando sua cotação por meio do uso das reservas cambiais. Felizmente, o Brasil possui elevado estoque de reservas internacionais, o que dá ao país segurança e capacidade para enfrentar essa flutuação cambial sem gerar mais problemas financeiros. Portanto, com a desaceleração da economia chinesa, cada vez mais as empresas deverão encontrar economias alternativas para comercializar seus produtos com o propósito de reduzir sua dependência para com alguns países.

Num momento desses, para onde migra o dinheiro da especulação?
Em momentos de crise os recursos destinados aos investimentos especulativos acabam por serem enviados para países que apresentam baixo risco de crédito, mesmo que, no curto prazo, isso se transforme em menor retorno aos investimentos. Da mesma forma, os fundos de investimentos procuram países que apresentam grau de investimento, o que, infelizmente, o Brasil perdeu no final de 2015. Além disso, os recursos dificilmente são investidos nos setores produtivos das economias para gerar produção e empregos. Esses recursos são aplicados em ativos financeiros de curto prazo em economias com grau de investimento e que apresentam credibilidade econômica, financeira e governamental. Por conseguinte, os recursos serão investidos em ativos pouco produtivos, que apenas geram rentabilidade para o investidor, sem agregar recursos significativos para a sociedade.

O Brasil só teria a perder com essa crise ou pode haver algum tipo de oportunidade?
Sem dúvida, as perdas são maiores do que os ganhos observados com o comportamento da economia chinesa, principalmente, na comercialização de commodities. Além disso, a Bolsa de Valores apresenta índices negativos e gera o “efeito manada”, derrubando as ações de empresas que não estão intimamente ligadas ao comércio com a China. Entretanto, a desvalorização do real aumenta a competitividade das mercadorias brasileiras no exterior, e isso poderá auxiliar os empresários brasileiros na manutenção dos principais negócios. Também, demonstra a importância das empresas comercializarem com outras economias, reduzindo assim, a dependência a poucos compradores. Portanto, os impactos para o Brasil, com a desaceleração econômica da China, afetarão vários setores da economia, inclusive gerando efeito negativo sobre as taxas de emprego.

De que forma essa crise pode afetar estados exportadores como o RS?
Os efeitos da China nas economias exportadores podem ser vistos por meio das reduções nas exportações de produtos. Nesse sentido, como a China é um dos principais países compradores de algumas das matérias primas comercializadas no Estado, como a soja, pedras preciosas, maquinários, carne bovina, suína, avícola, etc, tende-se a sentir alguns problemas socioeconômicos, visto que ocorrerá mais desemprego, menos produção e, automaticamente, redução de renda nos munícipios. Portanto, esses efeitos influenciarão nas finanças do estado porque menos tributos serão gerados e, automaticamente, ocorrerá redução de investimentos nos serviços básicos da população.

Existe saída, via exportação, para a indústria automobilística brasileira?


morem

 

Rodrigo Morem da Costa
Economista, Pesquisador da FEE
Corecon/RS nº 6592

 

Essa crise vem sendo sentida na indústria automobilística ou no setor como um todo?
É uma crise que vem afetando o setor automotivo como um todo. A indústria automobilística, no seu processo produtivo, organiza-se através do sistema just in time, que requer a quantidade de insumos demandados no tempo requisitado, trabalhando com um mínimo de estoque. Com isso, as montadoras acabam transferindo esse sistema também aos seus fornecedores, fazendo com que eles se organizem dessa forma. Portanto, é praticamente impossível a queda do desempenho das montadoras não afetar, de modo praticamente simultâneo, os fabricantes de sistemas e fornecedores de autopeças, de partes e componentes.

O que aconteceu com o setor automotivo brasileiro?
Após o grande crescimento ocorrido do ano de 2003 ao de 2012, a partir de setembro de 2013, o setor automotivo brasileiro vem experimentando sucessivas e intensas quedas em seu desempenho, culminando com um cenário de crise. Tanto que de uma redução de 0,8% nas vendas de veículos de janeiro a novembro de 2013, comparado ao mesmo período do ano anterior, o setor chegou a uma queda de 8,4% em 2014 e de 25,2% em 2015. Com base neste cenário, ocorreram ajustes na produção, que acabou encolhendo 50% de setembro de 2013 a outubro de 2015, e no emprego no setor automotivo, com redução drástica do emprego formal e adoções de medidas de readequação, como lay-offs, férias coletivas, adesões ao Plano de Proteção ao Emprego e outras.

O que explica essa retração?  
Entre outros fatores, estão a crise política, a desaceleração da economia, o aumento do desemprego, as restrições ao crédito e a elevação nos preços dos veículos. Somado a isso, as exportações caíram, de setembro de 2013 a novembro de 2015, 38,3% em quantidade e 44,7% em valor.

E a que se deveu a queda das exportações?
Esse movimento de queda das exportações está relacionado principalmente à crise econômica e de evasão de divisas internacionais, com imposição de barreiras por parte da Argentina, que respondeu por 70% das exportações brasileiras na média de 2011 a 2014. Soma-se a isto, o baixo dinamismo do comércio internacional na América Latina, desde 2009.

O que aconteceu no Brasil a partir de 2013, com a retração mais intensa do setor automobilístico, pode ser caracterizado como o início de uma grande bolha no setor?
O mercado brasileiro apresenta potencial para o crescimento do setor. A indústria automobilística percebe os cinco habitantes por  veiculo como um potencial de crescimento das vendas, já que o nível de saturação do mercado – considerando os países mais desenvolvidos – fica abaixo de dois habitantes por veiculo. Então, considerando o tamanho da economia brasileira, há a percepção de que existe oportunidades para o aumento do mercado. Então, mais do que uma bolha, o que vem ocorrendo no setor no momento atual é uma redução da demanda por veículos automotores: no mercado nacional, em razão da crise econômica e política do Brasil; e no mercado externo, devido às dificuldades da Argentina e da desaceleração do comércio internacional na América Latina após a crise financeira mundial de 2009.

O que está sendo feito para superar essas dificuldades do setor?
Em função da desaceleração da economia brasileira, foi lançado, em junho de 2015, o Plano Nacional de Exportações (PNE), que tem como um dos principais objetivos a retomada de seu crescimento via exportações. Nesse contexto, o aumento das exportações da indústria automobilística, por seu peso na economia, elevado número elos de encadeamento com outras atividades econômicas em seu complexo de produção e por sua média-alta intensidade tecnológica, surge como um dos alvos preferenciais no PNE. Assim, foram renovados acordos de exportação com a Argentina, México, Uruguai e Colômbia e estão sendo feitas negociações com o Paraguai. As montadoras estão pleiteando, também, a abertura de negociações com o Peru e o Equador.

Por que a América Latina e a África são boas opções de exportações para o setor brasileiro?
Isso está ligado à forma de organização internacional da cadeia de valor da indústria automobilística. Desde a metade dos anos 1990 ela vem se organizando em bases regionais, com produção automotiva em suas principais economias. Isso se deve a esta indústria ser de média-alta intensidade tecnológica e intensiva em capitais, gerando elevados custos fixos, que requerem larga escala de vendas para a sustentabilidade financeira das empresas. Além disto, a organização em bases regionais visa mitigar o risco de queda nas exportações, por desvalorizações cambiais ou medidas protecionistas por países individuais, bem como promover maior adaptação dos veículos ao mercado local. Assim, o Brasil foi escolhido como plataforma regional de produção, por seu tamanho, inserção no Mercosul, e proximidade com as nações da América Latina, para atender à demanda dessa região. No caso da África, a produção ocorre em alguns países, mas é relativamente pequena. Assim, as vendas internacionais brasileiras tendem a se concentrar mais na América do Sul, onde estão as maiores economias, com exceção do México. Em relação a este país, sua produção se destina a atender à demanda dos EUA, do Canadá e da própria classe alta mexicana, o que lhes retira a escala necessária para produzir os veículos mais simples, os chamados “populares”. Então, é ai que entram as exportações do Brasil para o México.

A melhora das exportações, apesar de ser positiva, não é o suficiente para tirar o setor da crise?
Os acordos comerciais estabelecidos no âmbito do PNE, juntamente com a desvalorização cambial, tendem a ser positivos para as exportações de veículos, mas insuficiente para tirar o setor da crise no curto prazo, considerando o próximo ano. O primeiro fator é que as exportações hoje respondem por apenas 15% de veículos produzidos aqui no Brasil. O segundo ponto é que, com a queda das vendas, acumularam-se estoques elevados de veículos prontos nos pátios das montadoras, e elas necessitam, agora, vender esse excesso para poder recuperar a produção e o nível de emprego. E num terceiro aspecto, o dinamismo da América do Sul no próximo ano tende a ter um desempenho fraco. Destaca-se o caso da Argentina, destino de 70% das nossas exportações, cuja projeção de crescimento do PIB em 2016 é de apenas 0,8%, de acordo com a CEPAL. Assim, a meu ver, a saída da crise do setor automotivo passa mais pela recuperação do mercado brasileiro, mediante estabilização política, ajuste fiscal e retomada das políticas de desenvolvimento econômico e social.

Quando vamos retornar aquele patamar de crescimento atingido em 2012?
Neste momento é muito difícil de prever, em função do quadro de forte incerteza e da crise econômica brasileira. Mas há espaço para crescimento, na medida em que melhorar o desempenho da economia brasileira e o mercado externo vier a se fortalecer com um câmbio competitivo.

Thirlwall e a natureza do crescimento econômico


eduarda1

 

Eduarda Martins Correa da Silveira
Economista
Corecon/RS nº 7310

 

Qual é o argumento central do modelo Thirlwall, concebido pelo professor Anthony Philip Thirlwall?
Thirlwall argumenta que as taxas de crescimento dos países diferem porque o crescimento da demanda não é igual entre os países. Para o autor, o balanço de pagamentos é uma restrição ao crescimento econômico e a razão entre a elasticidade-renda da demanda por exportações e a elasticidade-renda da demanda por importações é uma boa aproximação de grande parte do crescimento econômico de longo prazo dos países. Thirlwall utilizou dados da balança comercial da amostra estudada, chegando a resultados satisfatórios. A proposta do modelo de Thirlwall é a de que um país não pode crescer mais rápido do que a restrição imposta pelo seu balanço de pagamentos, a não ser que possa se financiar indefinidamente, o que é uma hipótese pouco provável, principalmente para as economias em desenvolvimento.

Por que esse modelo se aplica à economia brasileira?
O enfoque dado por Thirlwall está do lado da demanda. E a lógica desse modelo de crescimento passa pelo ajuste estrutural do balanço de pagamentos. Ou seja, para que um país obtenha taxas de crescimento mais elevadas, é importante alterações nas elasticidades-renda da demanda das exportações e das importações. Logo, uma mudança nas bases competitivas dos setores produtivos é fundamental para que o balanço de pagamentos não restrinja o crescimento de longo prazo. Observando o período posterior ao ano de 1995, por exemplo, percebe-se que a economia brasileira vem apresentando taxas de crescimento irregulares. Momentos históricos relevantes podem subsidiar a explicação desse fato, como pós-Plano Real, crise no balanço de pagamentos brasileira no ano de 1999 e alteração no regime cambial, elevação no preço internacional das commodities, principalmente a partir de 2002, além de períodos de volatilidade da liquidez internacional. Convém destacar, também, o período de elevadas taxas de crescimento do PIB brasileiro, a partir do ano de 2004, interrompido no ano de 2009 e retomado no primeiro trimestre do ano de 2010, cuja taxa de crescimento foi de 7,6% ao ano. Porém, desde então, a economia brasileira tem apresentado taxas de crescimento mais modestas, parecendo voltar ao regime de taxa de crescimento próximo ao dos anos de 1990. Tais momentos históricos envolveram modificações nas contas que compõem o balanço de pagamentos e, dessa forma, estudar o comportamento da taxa de crescimento da economia brasileira utilizando o arcabouço teórico de Thirlwall pode ajudar a esclarecer as taxas de crescimento irregular.

Nos últimos anos o Brasil deixou de exportar manufaturados, intensivos (ou não) em tecnologia, especializando-se em exportar commodities agrícolas e minerais. Como essa dinâmica recente das exportações brasileiras corrobora para o modelo de crescimento econômico com restrição externa?
Com a entrada da China na OMC, no ano de 2001, houve alteração no perfil da demanda por commodities. Principalmente a partir de 2006 observa-se uma alteração na pauta de exportações brasileiras, com elevação da participação de produtos classificados como básicos em detrimento daqueles classificados como manufaturados. No final de 2009, as exportações desse tipo de bem “ultrapassam” a exportação dos bens manufaturados, ampliando a importância desses produtos na pauta. É importante destacar, também, a elevação do índice de preços das commodities. A “commoditização” da pauta exportadora brasileira aprofundou o problema de restrição de externa. Ou seja, quando se estima a função demanda por exportações para um período mais recente, a partir de 2001, nota-se que as exportações brasileiras ficaram menos sensíveis à renda mundial. Logo, é oportuno o debate sobre a reprimarização e sobre a possível influência da composição da pauta exportadora brasileira na taxa de crescimento econômico. Observa-se, nesse caso, uma aproximação com a abordagem estruturalista.  

Por que, ao longo de 2015, o volume de exportações, a despeito do overshooting cambial, tem crescido menos do que cresceu em 2014, considerando o período acumulado até novembro?
Uma possível explicação é que as exportações brasileiras tenham ficado, ao longo do tempo, mais sensíveis ao índice de preços das commodities do que a taxa de câmbio real. Embora, considerando o período 2014-2015, acumulado até novembro, tenha ocorrido redução nas exportações para todos os tipos de bens, os bens básicos ainda representam,   no ano de 2015, aproximadamente 46% das exportações brasileira, contra pouco mais de 37% dos produtos classificados como manufaturados.

Página 68 de 74