Uma Nova Crise Global se Avizinha?

Como resposta à crise econômica mundial de 2008-2009, o mundo, capitaneado pelos Estados Unidos, promoveu uma série de medidas anticíclicas visando combater os efeitos nocivos daquele período de anormalidade. As principais ações englobaram políticas regulatórias, queda de juros e expansão monetária. Como ilustração, o governo do então presidente Barack Obama (2009-2017), em conjunto com o Banco Central norte-americano (Fed, na sigla em inglês), naquele momento presidido por Bem Bernanke (2006-2014), cortou os juros anuais ao menor nível da historia, entre 0% e 0,25%, além de promover a já citada política de expansão monetária que, entre outros mecanismos, empregou a recompra de títulos públicos daquela nação que se encontravam nas mãos de particulares. Para isso, elevou a base monetária norte-americana. Se por um lado não houve risco de disparada da inflação, dada a difícil situação em que o país se encontrava, por outro a dívida pública quase duplicou na gestão Obama, acelerando de menos de US$ 10 trilhões em 2008 para quase U$S 20 trilhões em 2017.

O cenário atual indica que o mundo, apesar de ainda não apresentar os números macroeconômicos do período pré-crise, caminha nessa direção. Mesmo que os Estados Unidos e a Europa já não pratiquem uma política monetária tão expansionista, mantêm suas taxas básicas de juros em níveis muito baixos (entre 1,25% e 1,5%, e 0,00%, respectivamente) dado a taxa de desemprego, sobretudo no velho continente, inspirar cuidados. Assim, é justo concluir que no momento que essas nações atingirem o chamado pleno emprego, as políticas fiscal e monetária se tornarão mais restritivas. No primeiro sinal de elevação da inflação, os juros deverão subir. Sem esquecer que a diferença entre o remédio e o veneno é a dose, a pergunta que fica é: quando esse momento chegará?
Em resposta a pergunta acima, as opiniões se dividem. Para alguns economistas e investidores o mercado já dá sinais que uma nova crise global se avizinha. Outros refutam tais afirmações, alegando serem necessários dados mais concisos para provar serem verdadeiras as citadas afirmações. Como instrumentos de trabalho, este estudo analisará três variáveis: o crescimento chinês, o preço do barril de petróleo e o nível das ações negociadas em Wall Street.
A China, que ao lado dos países emergentes – sobretudo dos BRICS (Brasil, Rússia, Índia, China e África do Sul) –, impediu que a crise se tornasse ainda mais crônica há 10 anos, não consegue mais atingir crescimentos anuais superiores a 10%. Nos últimos três anos, seu PIB anual não chegou a 7%. Enquanto algumas opiniões como a do megainvestidor George Soros indicam que o atual cenário pode acarretar significativas reduções nos preços das commodities, outras entendem que o gigante asiático está apenas se adaptando a um novo modelo de crescimento econômico em um quadro de normalidade.
Outro ponto de discórdia é o preço do barril de petróleo. Já tendo atingido mais de US$ 100 nos Estados Unidos, no final de 2015 chegou a ser cotado por cerca de US$ 30. Para os céticos, isso provém da desaceleração chinesa aliada a uma política nada promissora de queda de braço entre a única potência mundial e a Organização dos Países Exportadores de Petróleo (OPEP) em relação à adoção norte-americana do gás de Xisto, acarretando uma crise de superprodução. Conduto, para aqueles que não acreditam que uma nova crise está no horizonte, serve a alegação que os produtores de Xisto estão endividados, não mais conseguindo dar sustentação ao mercado. Logo, a maior nação da América do Norte aumentou sua demanda internacional por petróleo, fazendo com que o preço do barril se recuperasse e atingisse US$ 70 dólares na primeira quinzena de 2018.
Por último, o preço das ações negociadas nas bolsas norte-americanas. Para os que acreditam que a eclosão de uma crise é iminente, existe a alegação que o nível atual dos papeis está abaixo somente daqueles verificados em 1929 e 2000, períodos em que ocorreram ou precederam duas das piores crises globais que se tem notícia, sendo tal nível insustentável. Opiniões contrárias, contudo, entendem que o mencionado avanço é natural e que ainda existe espaço para um crescimento ainda maior. Para eles, isso pode ser confirmado pela previsão do crescimento global para os anos de 2017 e 2018, de 3,7% e 3,1%, respectivamente – mesmo com a ocorrência de uma pequena queda nada alarmante. Nesse sentido, se uma crise vier, não deve ocorrer em 2018 ou 2019.
Independente de se e quando a crise ocorrer e valendo-se da premissa ortodoxa que as crises capitalistas são cíclicas, algumas perguntas ficam no ar: qual será o papel dos Estados Unidos, uma espécie de esteio da economia global, na condução da recuperação mundial, dado as diferenças das gestões Roosevelt (1933-1945), Obama e Trump? Valerá a máxima do atual mandatário da Casa Branca de “América para os americanos”? Como se comportará à Europa, que a exceção da Alemanha, está repleta de lideres populistas como Thereza May e Emmanuel Macron? Os mecanismos de regulação dos mercados instaurados a partir da crise de 2008/2009 serão eficazes? Tais perguntas, ainda sem respostas, ficam no ar, aguardando que sejam contempladas da melhor forma possível para o bem de toda a humanidade.

por Stefano Silveira, economista e Professor Universitário

Prefeitura nos passos do Estado!

É tão grave a situação financeira do município de Porto Alegre, que se pode dizer que ele está indo para o mesmo caminho do Estado, embora sua dívida seja muito menor. Nos demonstrativos financeiros de janeiro a outubro do corrente ano, verifica-se que a receita cresceu nominalmente apenas R$ 215 milhões, ou seja, 5%, sobre igual período do ano anterior. No mesmo período, a despesa com pessoal cresceu R$ 334 milhões ou 16%, isto é, três vezes mais do que a receita. E, dentro da despesa com pessoal está o dispêndio líquido com previdência (déficit previdenciário mais contribuição patronal), que foi da ordem de R$ 208 milhões ou mais 27,7%, na mesma base de comparação. Então 97% do crescimento da receita foi absorvido pelo incremento da despesa previdenciária.

Isso só foi possível, porque entre despesas correntes e investimentos foram reduzidos R$ 216 milhões, naqueles gastos que seriam destinados às melhorias urbanas de que tanto se ouve reclamação. Sem fazer apologia ao aumento de impostos, porque a sociedade está cansada de pagá-los sem receber adequadamente os serviços a que tem direito, quero mostrar a incoerência dos vereadores de Porto Alegre. Os parlamentares, sempre tão ciosos em impedir aumento de impostos, deveriam dar o mesmo tratamento quando votam o aumento de despesa, especialmente, a com pessoal, que tem natureza permanente. A causa desse desequilíbrio está na criação de despesas com taxas de crescimento superiores às da receita, sem uma visão estratégica do que poderia ocorrer no futuro.

Conforme noticiado, as iniciativas de aumentar a receita são rechaçadas pelos vereadores, até mesmo pelos da base aliada. Mas não foi a gestão atual que criou despesas exageradas, nem mesmo as anteriores, isoladamente. Tudo foi feito no passado com o beneplácito do Poder Legislativo. Diante disso, pergunto aos senhores vereadores como vai ser governado o município. Confesso que não sei como.

 
Darcy Francisco Carvalho dos Santos, economista
ARTIGO - Notícia da edição impressa de 15/12/2017 - Jornal do Comércio

A conta chegou...

A lei de responsabilidade fiscal (LRF) fixou a despesa com pessoal estadual em 60% da receita corrente líquida (RCL), relacionando em seu artigo 18 os vários itens que a compõem. A RCL é parte da receita corrente que fica com o Estado.

Ao fixar a despesa com pessoal em 60%, deixou uma margem de 40% para cobrir as demais despesas do governo, inclusive pagar a dívida, e fazer investimentos. Em suma, buscou o necessário equilíbrio orçamentário.

O cumprimento adequado da LRF depende do conselho de gestão fiscal, cujo projeto de lei de criação foi encaminhado ao Congresso Nacional em 2000 e está até hoje pendente aprovação. Com isso, ficou um vazio, que foi ocupado pelos tribunais de contas estaduais.

No RS, em 2001, nosso Tribunal de Contas retirou uma série de itens que, pela LRF, seriam despesa com pessoal, como: assistência médica, auxílio funeral, creche, refeições, pensão por morte etc. Em seu entendimento, esses itens não são despesa com pessoal, porque o art. 169 da Constituição Federal só se refere a pessoal ativo e inativo, como se as despesas citadas fossem soltas e não se destinassem aos servidores estaduais. São despesas indiretas, mas com pessoal, sim!

Ao excluir despesas correspondentes a 15% da RCL, mas que continuarão sendo pagas, retirou a eficácia da lei . Assim, quando a despesa atingir os 60%, estará, de fato, em 75%, impossibilitando o equilíbrio orçamentário, porque os 25% restantes não pagam nem o custeio integralmente, muitos menos a dívida e os investimentos.

Mas isso possibilitou aos demais Poderes e órgãos especiais ficarem dentro dos limites da lei. E o Poder Executivo deixou de ter as sansões que advém de seu não cumprimento. Enfim, estabeleceu-se uma cumplicidade conveniente.

No entanto, ninguém ia imaginar que mais tarde, para aderir a um regime de recuperação fiscal, fosse necessário comprovar um percentual maior em pessoal. Na realidade o Estado aplica bem mais, só que pelos demonstrativos citados (maquilados) isso não aparece.

Como diz o ditado popular: a “mentira tem perna curta” e a verdade se fez presente, cobrando sua conta.

 

Artigo do conselheiro do Corecon-RS, economista Darcy Francisco Carvalho dos Santos, publicado na página 21, de Zero Hora do dia 28/11/2017.

Sem reformas, o Brasil vai quebrar

A frase de George Burns, um comediante americano, se aplica muito bem ao caso brasileiro: "É uma pena que todas as pessoas que sabem como governar o país estejam dirigindo táxi ou cortando cabelo".

No rol dos que pensam que sabem, mas pouco sabem como governar, eu incluiria mais algumas pessoas, inclusive alguns ilustres parlamentares. Passo a expor alguns dados, que me levam a firmar essa convicção.
"Sobrariam" 28% para as demais finalidades do governo central, mas isso não ocorreu

Em 2016, da arrecadação de tributos e contribuições no país, pouco mais de R$ 2 trilhões, 68% foi efetuada pela União e 32% por Estados e municípios.
Do total arrecadado, a União repassou uma parte aos entes federados e canalizou outra para as finalidades dos tributos e contribuições com destinação específica (salário-educação, FGTS e Sistema "S"), restando-lhe líquidos 48%.
Desse líquido, 72% é destinado à seguridade social (previdência, saúde e assistência social). Com isso, "sobrariam" 28% para as demais finalidades do governo central, mas isso não ocorreu porque uma fatia desses recursos precisou financiar parte das despesas da seguridade que não cabem dentro dos 72% citados.
Então, o total líquido que ficou com a União atinge a ainda elevada soma de R$ 985 bilhões. No entanto, R$ 872 bilhões foram aplicados na seguridade social (88,5%), restando para todas as demais finalidades R$ 113 bilhões, ou 11,5%.
Com esses 11,5%, a União precisou financiar todos os poderes, os demais 25 ministérios e órgãos especiais, inclusive o Ministério da Educação, ao qual são destinados 18% da receita líquida de impostos, porque lhe cabe manter mais de 60 universidades e órgãos afins. Também com eles, o Ministério dos Transportes precisa construir ou manter estradas, portos, aeroportos que ainda não foram privatizados.
Por tudo isso, o déficit primário do exercício foi de R$ 160 bilhões, que, somados ao montante de juros de R$ 318 bilhões, atingiu R$ 478 bilhões de déficit fiscal (7,6% do PIB, um dos maiores do mundo).
A dívida bruta total atingiu R$ 4,6 trilhões. A ela foram acrescidos integralmente os juros, mais o valor do déficit primário.
Com tudo isso, ainda há quem afirme que o país não necessita de reformas. Pasmem!

DARCY FRANCISCO CARVALHO DOS SANTOS
Economista 
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Publicado na página 26 da Zero Hora, do dia 10/11/2017

Um relatório inconsequente!

Dizia Maquiavel que “a ambição do homem é tão grande que, para satisfazer uma vontade presente, não pensa no mal que daí a algum tempo pode resultar dela”.

Só posso concluir isso do relatório de uma CPI que diz não haver déficit na Previdência, quando são altamente deficitárias a previdência privada e a pública, na União e nos Estados. Não é por acaso que os três Estados, MG, RJ, RS que atravessam a maior crise financeira, são exatamente os que mais despendem recursos com previdência.

O déficit de qualquer entidade é dado pela diferença entre receitas e despesas, e na Previdência não é diferente. O déficit do INSS em 2016 foi de R$ 152,2 bilhões, sendo maior na previdência rural. E o mais grave é que ele cresceu 61% sobre o ano anterior. No serviço público federal, o déficit foi de R$ 78,6 bilhões. Somando INSS e servidores, atingiu R$ 231 bilhões.

O argumento é de que existem as contribuições sociais, destinadas à seguridade social (previdência, saúde e assistência social), que também gerou déficit de R$ 258,7 bilhões em 2016, e que as DRU (desvinculações das receitas da União) lhes retiram dinheiro. Mas, se somarmos as DRU ao déficit, ele ainda fica em R$ 167 bilhões.

As fontes referidas no relatório costumam dizer, também, que não há déficit porque houve isenções, desonerações de tributos e sonegação, como se a existência desses fatos representasse ingresso de recursos.

E os devedores da Previdência? Precisa haver cobrança rigorosa. Mas a solução não está num ingresso eventual de recursos, por maior que ele seja, mas em tornar positivo o fluxo de recursos correntes.

Na Previdência, há dois tipos de déficits: o financeiro e o atuarial, este tendo a ver com o futuro. Qualquer pessoa entende que, para uma alíquota de 31%, necessita de mais de três contribuintes por beneficiário para o equilíbrio. A revista Conjuntura Econômica, na edição de abril/2017, mostra que em 2015 a relação contribuintes/beneficiários era 2,19, relação essa que cai para 1,55 em 2030 e para 0,90 em 2060.

Diante disso, quem sustentará os aposentados no futuro? Negar que haja déficit na Previdência é, no mínimo, uma atitude irresponsável e inconsequente para com o futuro de nossas crianças.

DARCY FRANCISCO CARVALHO DOS SANTOS
Economista
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O impacto da economia nas finanças pessoais

 

Entre 2014 e 2016, a situação econômica e financeira da população foi marcada por uma das piores crises. Isso obrigou o cidadão a ser resiliente, pois teve que lidar com problemas, se adaptar a mudanças, e resistir à pressão de situações adversas familiares. A partir de 2017 a economia parou de cair e vários indicadores econômicos já apontam sinais de estabilidade e de crescimento.

A pergunta que surge é: qual o impacto da economia nas finanças pessoais no cidadão? As pesquisas empíricas de outros países sugerem que as atitudes dos brasileiros irão mudar significativamente. Um estudo do Public Finance Quaterly, analisou o impacto tanto da crise econômica da Hungria de 2010, como a sua recuperação em 2015 nas finanças dos cidadãos. Com a crise, os cidadãos tiveram muitos problemas familiares, pois aumentou o desemprego e o endividamento. Já em 2015, com a volta da recuperação econômica, os húngaros experimentaram uma sensação de libertação, deixando os problemas financeiros de lado, se tornando mais consumistas imediatos, sem pensar mais nas metas de longo prazo. A experiência em outros países pode ajudar os brasileiros a não cair nas armadilhas da recuperação financeira da economia. Daqui para frente as atitudes dos brasileiros deverão ser de mais consumo e mais uso do cartão com esse cenário de taxas de juros mais baixas. Em síntese, o brasileiro está correndo o risco de se desequilibrar financeiramente, mais do que já está.

Para fazer um enfrentamento a essa situação, a Estratégia Nacional de Educação Financeira (Enef) tem mapeado inúmeras atividades nessa área no Brasil. Uma delas, aqui no RS, acontecerá no mês de outubro deste ano, quando abrirão as inscrições para o 5º Concurso de Educação Financeira para todas as escolas de ensino médio e fundamental, abordando o tema da "poupança". Essa iniciativa do Corecon-RS, com a parceria da Secretaria de Educação do RS e Banrisul, tem como objetivo desenvolver a cultura do planejamento, da poupança e do consumo consciente dos estudantes.​


Alfredo Meneghetti Neto​

Ex-conselheiro do Corecon-RS, professor da PUCRS e economista da FEE
Artigo  publicado originalmente em Zero Hora, de 14/09/2017, pag. 31

 

A possível recuperação


Há 50 anos, os Beatles lançavam seu emblemático e aclamado álbum de estúdioSgt. Pepper's Lonely Hearts Club Band. Nele, Lennon e McCartney compuseramWith a Little Help from my Friends, cantada por Ringo Starr, cuja ideia é, simplesmente, mostrar como os amigos podem ajudar a superar as dificuldades cotidianas da vida.

Por que inicio o presente artigo sobre a possível recuperação da economia brasileira com a referida canção dos Beatles? Além, naturalmente, de manifestar ao leitor a minha preferência musical pelos fab four, a analogia à canção dos Beatles está relacionada ao fato de que a nossa economia parece estar saindo do "fundo do poço" graças à "pequena ajuda dos seus amigos", ou seja, o cenário internacional favorável, tanto em termos de uma maior demanda de importações por parte de nossos parceiros comerciais, quais sejam, China, os países da zona do euro e os Estados Unidos, quanto no que diz respeito à estabilização dos preços das commodities agrícolas e minerais.

Uma breve análise sobre os mais recentes indicadores externos da economia brasileira mostra que o balanço de pagamentos tem contribuído para o equilíbrio das contas externas e que o drive da tímida recuperação da economia brasileira têm sido as exportações líquidas. Mais especificamente, (i) nos primeiro e segundo trimestres, as exportações crescerem, respectivamente, 5,2% e 0,5%, (ii) entre janeiro e agosto de 2017, a balança comercial acumulou um superávit recorde da ordem de US$ 48,1 bilhões e (iii) o déficit de balanço de pagamentos em transações correntes, nos últimos 12 meses, tendo como referência o mês de julho do corrente ano, recuou para US$ 13,8 bilhões, equivalente a 0,7% do PIB, o menor dos últimos 10 anos. Ademais, entre janeiro e julho de 2017, os investimentos diretos no Brasil totalizaram ingressos líquidos de US$ 40,4 bilhões, também contribuindo para que as reservas cambiais, pelo conceito de liquidez, atingissem o montante de US$ 381 bilhões.

Pois bem, diante desses números, não é surpresa alguma a taxa de câmbio ter se estabilizado nos últimos meses e o setor externo estar sendo apontado pelos analistas econômicos como a variável de demanda agregada que poderá determinar o ritmo de crescimento brasileiro, nos curto e médio prazos, em conformidade com um regime à la export-led. Todavia, para que não haja frustração dessa perspectiva, é bom que o Brasil continue tendo um little help from [its] friends, ou seja, da economia mundial.

Fernando Ferrari Filho
"Ex-presidente do Corecon-RS, professor titular da UFRGS e pesquisador do CNPq
Artigo publicado originalmente na página, de Zero Hora, de 12/09/2017

 

Crescimento da folha, a principal causa dos atrasos

Foram criadas despesas permanentes e crescentes sem que existisse receita

Além da crise histórica e da queda da arrecadação, a causa da dificuldade do governo do Estado em pagar os salários em dia está no crescimento desmesurado da folha de pagamento. A folha total passou de R$ 13,4 bilhões em 2010 para R$ 21,6 bilhões em 2014 e para R$ 25,3 bilhões em 2016. As duas primeiras datas referem-se ao último ano dos dois governos precedentes, da senhora Yeda Crusius e do senhor Tarso Genro.

É importante notar que nos anos 2011 a 2014 a folha cresceu R$ 8,2 bilhões nominalmente, num percentual de 61%, 2,3 vezes a inflação do período. Já a receita cresceu 40% no mesmo período. Portanto, para cada R$ 2 de incremento da receita, houve R$ 3 de crescimento da folha.

Nos anos 2015 e 2016, o crescimento nominal da folha foi de R$ 3,7 bilhões, sem que o governo atual concedesse nenhum reajuste, a não ser pontuais para o secretariado, cuja tabela datava de quatro anos atrás. A principal razão desse crescimento foram os reajustes generalizados concedidos pelo governo passado, muitos deles parceladamente até 2018, em percentuais que chegam a mais de três vezes o crescimento da receita, em alguns casos.

Muitos desses reajustes corrigiram injustiças históricas, mas foram concedidos sem que houvesse os recursos necessários para seu custeio. Foram criadas despesas permanentes e crescentes sem que existisse receita com essas características (caso dos depósitos judiciais).

A outra causa foram os reajustes dos outros poderes, que agem independentemente do Poder Executivo. Há correntes de opinião que entendem que o governador do Estado poderia vetar esses reajustes, assim como parcelar os salários deles também. Mas esse é assunto jurídico que foge do meu campo de conhecimento.

Se a folha de pagamento tivesse sido reajustada pela inflação acumulada (51%), o que é plenamente aceitável em momento de crise, ela iria para R$ 20,3 bilhões em 2016. Com isso, ficaria R$ 5 bilhões menos que os R$ 25,3 bilhões citados. Com essa economia, o déficit estadual seria eliminado e, em decorrência, os atrasos de pagamento dos salários.

Darcy Francisco Carvalho dos Santos
Economista

Publicado originalmente em Zero Hora, 08/09/2017 - pag.23

A matemática das cidades

Nossas vidas passam pela decisão de qual resultado queremos ao final dessa equação

É uma novidade nos municípios em crise financeira o debate, há muito em andamento nos Estados e na União, sobre o ajuste fiscal do setor público e se este deve ser ex ante ou ex post ao crescimento econômico. Em Porto Alegre não é diferente.

O PIB de Porto Alegre é de aproximadamente R$ 60 bilhões. Se fosse um país e segundo as evidências econômicas bem-sucedidas, o patamar de taxa de investimento deveria ser entre 20% e 22% do PIB. Ou seja, de R$ 12 a R$ 13,2 bilhões por ano. A arrecadação do município não chega a R$ 7 bilhões, e todo esse valor volta à economia por meio de salários, gastos e investimentos públicos. O problema é que, quando há déficit, esse montante não volta, enfraquecendo a dinâmica da economia local.

Para voltar a crescer, é preciso que a taxa de investimento efetiva privada na cidade aumente, criando as bases para uma expansão da capacidade produtiva no longo prazo e, na sequência, um efeito demanda para elevar o nível de consumo. É necessário desenvolver o ambiente favorável de negócios para que empresários e investidores continuem acreditando, no futuro, em sucessivas expansões de renda na cidade. No entanto, é no ajuste ex ante das contas públicas que encontramos a primeira parte da equação a ser resolvida.

A atualização da planta de IPTU, defasada há 26 anos, está assustando precipitadamente muitas pessoas, mas é necessário esclarecer que o princípio orientador é o de que todos tenham critérios equânimes para alimentar o ambiente de justiça tributária. Isso impacta na vida real do cidadão e de como, e se, queremos nos engajar para sair da crise. A escolha de solucionar essa equação é pública. Junto a outros projetos e ações que estão viabilizando empreendimentos, construções, obras e serviços públicos e novos investimentos privados em andamento, retomaremos o crescimento. A reestruturação administrativa, o corte de gastos e a justiça tributária são etapa primeira dessa matemática, e fundamental para retomar o processo de geração de emprego e renda locais.

Matematicamente, as nossas vidas como cidadãos desta bela cidade passam pela decisão de qual resultado queremos encontrar ao final dessa equação.


Leandro de Lemos
Economista e secretário municipal adjunto de Desenvolvimento Econômico de Porto Alegre

Publicado originalmente em Zero Hora, 07/09/2017 pag. 19

Cortar na carne sem aumentar impostos?

Há um ditado que diz que casa onde falta pão todos brigam e ninguém tem razão. Sempre se ouve dizer que os governos, em vez de cortarem na carne, aumentam impostos, o que é uma verdade apenas parcial, porque a despesa pública, na sua quase totalidade, é incomprimível, por várias razões. Grande parte da despesa aumenta automaticamente quando aumenta a receita. É a vinculação. Outra parte provém de indexação, o que faz com que uma despesa aumente porque outra aumentou. E outra parcela decorre da natureza da despesa, como os gastos com pessoal, que são incomprimíveis, devido à estabilidade e à Previdência Social. Na União, onde 72% da arrecadação é vinculada à seguridade social e ainda apresenta alto déficit, 90% dela é carimbada.

No Estado, o atual governo faz ajuste severo há três anos, e, se não aderir ao Plano de Ajuste Fiscal da União, o déficit será de R$ 5 bilhões a partir de 2018. Isso ocorre porque para cumprir tudo o que está na Constituição e diante da rigidez das demais despesas, a arrecadação líquida é superada em 15%.

Vejamos agora o caso da prefeitura de Porto Alegre, que pretende aumentar o IPTU, mediante reavaliação da planta de valores. Sem entrar no mérito dos critérios para essa medida e sem defender aumento de impostos em tamanha crise, sou obrigado a fazer considerações. A arrecadação dos municípios, a maioria de transferência de outros entes, não vem crescendo para o atendimento da demanda crescente da sociedade.

Só em saúde, onde o município é obrigado a aplicar 15% da receita de impostos, foram aplicados 20,5% e ainda resta uma demanda que só será atendida com mais recursos. Se tomarmos o dispêndio líquido com previdência, englobando déficit e contribuição patronal, foram despendidos em 2016 R$ 996 milhões, crescimento de 10% em relação ao exercício anterior, quando a receita cresceu apenas 5,7%. Se não eliminarmos as causas do aumento da despesa, vamos continuar reclamando de aumento de impostos!

Darcy Francisco Carvalho dos Santos Economista 

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