Epidemiologia Econômica: Uma nova ferramenta para lidar com as epidemias

O objetivo deste artigo é falar sobre um novo campo da economia da saúde, a epidemiologia econômica, a qual busca estudar as doenças infecciosas do ponto de vista do comportamento dos indivíduos com o intuito de avaliar epidemias  e sua trajetória com base no comportamento humano e nos custos diretos e indiretos destas doenças, assumindo o pressuposto de um comportamento racional [Becker (1976)].  Aqui iremos apresentar, brevemente, os principais fundamentos desta área, que apesar de estar em sua infância, tem se mostrado ter muito promissora, tanto em termos teóricos como empíricos, bem como relevante para os formuladores de políticas públicas em saúde.

A epidemiologia econômica é a relação entre o comportamento preventivo e a prevalência da doença, focada nas causas econômicas e consequências epidemiológicas da disseminação de doenças infecciosas que afetam a saúde púbica, ou seja, como o comportamento econômico dos indivíduos afeta o curso de uma doença infecciosa em uma população, podendo trazer consequências indesejadas ao nível individual e coletivo.

As doenças infecciosas merecem um estudo a parte da economia de saúde pública. Isto se dá devido a uma característica única das doenças infecciosas que as tornam particularmente difíceis de analisar: o fato de elas serem transmitidas de pessoa para pessoa. Com isto, o comportamento individual se torna um aspecto central dentro da epidemiologia econômica, especialmente pelo fato de que as escolhas individuais feitas sobre tratamento e prevenção impactam outros indivíduos, gerando externalidades. O impacto das escolhas individuais em outros indivíduos é um conceito muito utilizado na economia, conhecido como externalidade e, devido a esse conceito tão central na economia do bem-estar, a abordagem econômica tem o potencial de contribuir muito para a compreensão de como o comportamento humano afeta as doenças infecciosas e qual é o papel governamental no controle destas doenças.  Um exemplo clássico na área de economia da saúde são as vacinas.

A área da epidemiologia econômica começou a ser desenvolvida juntamente com a pandemia de HIV/AIDS, na década de 1980, quando uma dimensão econômica foi adicionada aos modelos epidemiológicos clássicos utilizados para traçar o curso de um surto viral. Como o HIV se espalha principalmente por meio de relações sexuais, as decisões das pessoas em relação ao contato sexual têm um impacto claro na propagação do HIV, assim como na propagação de outras doenças sexualmente transmissíveis. Os indivíduos tomam diversas decisões que podem impactar a propagação de doenças, como por exemplo, o quão frequentemente lavam as mãos, se evitam sair de casa, se evitam o contato com pessoas possivelmente infectadas, se se testam para determinadas doenças, se usam ou não preservativos, dentre outros.

Segundo Phillipson e Posner (1993, p.3), a ideia de que uma doença contagiosa pudesse ser abordada do ponto de vista econômico havia recebido pouca atenção até o início dos anos 1980. Assim, a abordagem econômica das doenças contagiosas, busca examinar as respostas públicas e privadas referentes a doenças contagiosas, de um ponto de vista do comportamento racional, enfatizando  principalmente as respostas do comportamento humano a mudanças nos incentivos e a prevalência da doença.

Este ponto com relação ao comportamento racional merece ser mais detalhado. Aqui seguimos a argumentação de Phillipson e Posner (1993, p. 1-10). Assim, para melhor compreendermos a epidemiologia econômica, parece ser plausível assumirmos que a “escolha racional” não implica necessariamente um comportamento consciente, deliberado ou informado. Na maioria das versões, segundo eles, uma escolha é racional se ela maximizar a utilidade esperada, onde a utilidade diz respeito ao bem-estar subjetivo do indivíduo, e esperado, devido a presença da incerteza, a qual faz com que a escolha possa ser possivelmente ruim. Segundo eles, a racionalidade implicaria que os meios se adequariam aos fins (suiting means to ends), quaisquer que sejam estes fins. Assim, devemos ter claro, segundo os autores, que a teoria econômica da escolha racional, seria uma fonte de explicações e predições referentes ao comportamento, que incluiria o comportamento com relação aos perigos de uma doença contagiosa.

A epidemiologia econômica se apoia no comportamento racional das pessoas que buscam maximizar o bem-estar individual com base em incentivos, restrições e informações que chegam a elas. A importância disto, dada a dinâmica do comportamento humano dentro de uma epidemia, traz novas explicações para o entendimento de doenças infecciosas. Como destacaram Phillipson e Posner (1993, p.7), a epidemiologia econômica, busca também ilustrar o poder da análise econômica para iluminar o comportamento não mercado, que é um pouco afastado dos objetos de análise convencional da economia. Segundo Phillipson e Posner (1993, p.8), os modelos epidemiológicos padrões, de um modo geral, exageravam em suas previsões sobre o crescimento das doenças contagiosas, tais como a AIDS, a qual é transmitida principalmente através do comportamento voluntário. Assim, a economia pode ser utilizada para aumentar o poder preditivo e explanatório de tais modelos.

O principal ponto e crítica aos modelos epidemiológicos convencionais é que aqueles  modelos falhavam em não considerar a importância dos incentivos na modelagem das respostas privadas tanto com relação as doenças comunicáveis, como com relação aos programas que buscam controlá-las. A razão disto, por exemplo, com relação a AIDS, era a falha em reconhecer que o aumento na prevalência de uma doença é (com certas qualificações) o equivalente a um aumento no preço do comportamento que cria o risco de contrair a doença, induzindo a uma resposta comportamental que iria limitar uma maior disseminação da mesma.

O estudo das epidemias, segundo Phillipson e Posner (1993, p.5), está baseado no pressuposto de que o mercado para atividades que criam o risco de contrair uma doença infecciosa (como o contato com uma pessoa infectada) é muito semelhante a outros mercados que os economistas estudam. Aqui, as trocas de contato são referidas no sentido econômico padrão na qual uma atividade como sendo mutuamente benéfica para as pessoas nela engajadas. Assim, no caso das doenças contagiosas, é assumido, também, que as pessoas iriam tomar medidas para se ajustar ao risco da infecção, especialmente com relação a prevalência da doença. Ainda segundo eles, os epidemiologistas, por exemplo, na predição do crescimento futuro ou no declínio de uma doença, abstraem o elemento de vontade (volitional element) – qual seja, a decisão de se engajar ou não num comportamento potencialmente transmissível, que os economistas, por sua vez, esperam que venha a ter um aspecto central no crescimento ou declínio até uma vacina ou cura ser desenvolvida. Assim, o modelo econômico das epidemiologias, chamado também de modelo de epidemia racional, implica estimativas menos alarmantes com relação ao futuro do crescimento das doenças contagiosas do que assumido pelos modelos epidemiológicos convencionais, dado que um crescente risco de infecção levaria aos indivíduos racionais a substituir as atividades ariscadas, fazendo então, com que a doença fosse autolimitante.

 A epidemiologia econômica considera a possibilidade de a demanda por autoproteção contra uma doença ser sensível a prevalência da doença que é a proporção da população acometida por uma doença específica em um período determinado. Desta maneira, haveria uma relação recíproca entre autoproteção e a prevalência da doença, criando, assim, um loop de resposta como podemos ver na figura  1 abaixo. A compreensão desta relação auxilia a identificação destes períodos durante o curso de uma epidemia e a resposta subsequente que os indivíduos possam vir a ter em relação à doença.

 

 

Esta abordagem difere da abordagem epidemiológica tradicional onde uma maior proteção acarreta um menor crescimento da doença, terminando a relação sem considerar que ela funcionaria como um ciclo e, portanto, não considera a resposta comportamental dos indivíduos que cria esse loop de resposta à prevalência da doença. A análise epidemiológica tradicional certamente discute como vários padrões de comportamento afetam a ocorrência da doença, porém ela não analisa as implicações de como o comportamento se modifica em resposta aos novos incentivos criados pelo crescimento de uma doença, nem analisa os efeitos dessas mudanças nas medidas de saúde pública (Bhattacharya et al., 2013).

Sob o ponto de vista econômico, se uma doença se tornar mais disseminada na população, a demanda por proteção privada (individual) aumenta em resposta. Os meios pelos quais as medidas preventivas aumentam em resposta ao surto da doença, podem diferir entre as doenças. Por exemplo, para doenças evitáveis por vacina, estes meios podem representar o número de vacinações adicionais induzidas por cada nova infecção, enquanto para doenças sexualmente transmissíveis pode representar o aumento na correspondência de parceiros sexuais que têm o mesmo status de infecção (Philipson, 2000).

A sensibilidade à prevalência é chamada de elasticidade prevalência da demanda privada por prevenção contra doenças (elasticidade-prevalência). Como mencionado anteriormente, muitos modelos epidemiológicos não consideram que a demanda por proteção reaja a prevalência da doença, e com isso, acabam assumindo, mesmo que implicitamente, que a elasticidade-prevalência é igual a zero (Bhattacharya et al., 2013). Este ponto será aprofundado nos parágrafos a seguir.  Folland et al., (1994), explica mais detalhadamente a questão de intervenções serem ou não autolimitantes, e como isso pode ser identificado. O autor utiliza a equação 1 para apresentar a maneira que a autoproteção está relacionada com a prevalência:

( 1 )

Se Ep é baixo, zero, ou perto de zero, as pessoas demandarão pouca prevenção, resultando, desta forma, em maior prevalência futura. Ao contrário, se Ep é alto, muito maior que zero, então será demandada uma quantidade maior por prevenção, como, por exemplo, vacinas. Assim, existirá uma baixa prevalência futura. Estas demandas por prevenção, de acordo com o autor, alteram a taxa de prevalência da doença.

A elasticidade-prevalência é considerada uma grande contribuição da epidemiologia econômica para a compreensão da propagação de doenças infecciosas. Como explicado anteriormente, a demanda por autoproteção varia de acordo com a prevalência da doença na população, presumindo uma elasticidade-prevalência positiva, ao contrário da visão epidemiológica que assume uma elasticidade-prevalência zero. Além da prevalência, os indivíduos também reagem a outras medidas se percebidas como ameaças como, por exemplo, a taxa de mortalidade (Folland et al., 1994).  

De acordo com modelos epidemiológicos, com a elasticidade-prevalência igual a zero, significa que com o aumento da prevalência de uma doença na população, a incidência também cresce, pois os indivíduos não são sensíveis ao surto da doença. Porém, se a elasticidade-prevalência for considerada positiva, enquanto uma doença se propaga, pessoas não infectadas buscam se proteger. Com isso, é possível que a incidência irá permanecer estável ou declinar enquanto a prevalência aumenta (Bhattacharya et al., 2013). A elasticidade-prevalência positiva assume, de acordo com a teoria da epidemiologia econômica, uma relação inversa entre prevalência e incidência.

Pode-se verificar esta relação em epidemias passadas, como por exemplo o caso do HIV nos Estados Unidos, mais precisamente, na cidade de São Francisco que na década de 1980 representava 12,5% dos casos de HIV nos Estados Unidos.

Algumas evidências empíricas relacionadas a epidemiologia econômica a fim de exemplificar a sua aplicação direta com base em dados reais,  tem  indicado como os conceitos desta  nova área da economia da saúde podem ajudar na identificação do problema e nas suas possíveis soluções.

Uma diferença considerável entre modelos epidemiológicos e o modelo apresentado pelos autores é a suposição de que os indivíduos escolham seus parceiros sexuais de acordo com as probabilidades de infecção. Os modelos epidemiológicos descartam esta probabilidade de escolha e assumem uma escolha aleatória. Uma relação sexual que tem o potencial de transmissão de doença ocorre apenas quando parceiros potenciais decidem se relacionar sexualmente. Esta escolha, que é guiada por incentivos, é considerada não aleatória pelo modelo estudado. Esta ênfase nos incentivos, mencionado no capítulo anterior, é a principal diferença para modelos epidemiológicos, neste caso.  

A epidemiologia não é uma ciência social, portanto, não incluiu as respostas comportamentais e as preferencias humanas individuais nos seus modelos. Como foi argumentado acima, o comportamento cria um efeito de feedback, relacionado a responsividade à prevalência, que tem a capacidade de causar um impacto substancial na propagação de doenças infecciosas. As preferências individuais, isto é, o comportamento individual necessita ser incorporado aos modelos de transmissão de doenças infecciosas, dado que a presença de externalidades implica que o comportamento individual é amplificado devido às consequências que pode ter para outros indivíduos.

Em resumo, modelos econômicos e as evidencias empíricas disponíveis tem  mostrado que a demanda por prevenção é elástica à prevalência. Se a demanda for altamente elástica, é visto um declínio percentual na prevalência que levará a um declínio percentual maior nos esforços de prevenção dos indivíduos. Consequentemente, será cada vez mais caro atingir reduções adicionais na prevalência. Estimativas precisas da magnitude da elasticidade são, portanto, cruciais para prever o efeito das escolhas individuais e a necessidade de intervenção governamental.

Este breve artigo teve o objetivo de mostrar como as doenças infecciosas podem ser avaliadas sob a ótica das ciências econômicas. Esta análise não procurou diminuir a importância de outras abordagens, mas sim, ressaltar as recentes contribuições teóricas e empíricas que podem ser feitas pela economia e que não receberam, ainda, a devida atenção pelos epidemiologistas e pelo formuladores de políticas públicas em saúde. O ponto fundamental que buscamos destacar foi que,  a incorporação dos aspectos comportamentais no modelos epidemiológicos tradicionais a fim de se ter uma melhor compreensão de como estes comportamentos afetam a trajetória de epidemias e, também, as políticas públicas adotadas para contê-las. Todos estes pontos se mostram críticos para avaliarmos a real eficiência das políticas públicas para doenças infecciosas.

Com o avanço da pandemia do novo coronavírus, esta área está obtendo notoriedade dentro da comunidade dos economistas. Estão sendo feitos diversos esforços para entender o comportamento de diferentes populações e políticas públicas frente a pandemia e o que pode ser feito para mudar os incentivos e restrições individuais para promover uma melhoria na saúde pública. Compreendendo o que faz as pessoas tomarem decisões referentes a doenças específicas, faz com que se abra um leque de opções e possibilidades de conter a propagação e o agravamento de doenças infecciosas, além de auxiliar o enfrentamento de possíveis epidemias futuras.

A epidemiologia econômica, seus modelos, implicações e evidências empíricas ainda se encontram na fase inicial do seu desenvolvimento, na sua infância para assim dizer, não sendo ainda completamente explorada em termos de implicações e políticas públicas em saúde que afetam o bem-estar de todos os agentes envolvidos.

Com a pandemia da COVID-19 vemos o quanto o comportamento humano tem o poder de alterar a trajetória de uma doença infecciosa. Isto apenas reforça a necessidade de explorarmos ainda mais o campo da epidemiologia econômica como uma forma de melhorarmos a nossa resposta a doenças infecciosas, procurando atingir um bem-estar coletivo. Este tema necessita ainda ser mais detalhado e refinado teoricamente, bem como testado com base em dados reais, especialmente em países que sofrem tanto com doenças infecciosas. Enfim, a epidemiologia econômica constitui-se em um importante tópico de pesquisa, não somente para os economistas, mas também para os profissionais da área da saúde e formuladores de política econômica.

Bibliografia:

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FOLLAND S, GOODMAN A, STANO M. The economics of health and healthcare. 7. ed. New Jersey: Prentice Hall, 1994.

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PHILIPSON T, POSNER RA. Private Choices and Public Health: The AIDS Epidemic in an Economic Perspective. Cambridge: Harvard University Press, 1993.

TASSIER T. The Economics of Epidemiology. Berlin: Springer-Verlag, 2013.

Artigo, de autoria do economista Giácomo Balbinotto Neto, professor do PPGE/UFRGS e do IATS/UFRGS, e de Araceli Hubert Ribeiro, graduanda em Economia pela UFRGS, publicado no Site Instituto Braudel. Para acessá-lo direto do Site, clique aqui

A importância de economizar

Saber lidar com o dinheiro pode trazer não somente benefícios financeiros ou materiais, mas melhora a qualidade de vida da família e ajuda a enfrentar dificuldades como a que estamos vivendo com a pandemia.

O tema educação financeira é tão importante que deveria ser estudado nos bancos escolares, afinal é quase impossível viver fora do sistema. O brasileiro comum não tem o costume de poupar, seja pela baixa remuneração e alto custo de sustentação da família, ou pelo simples rotina de gastar o que ganha sem planejamento futuro. É difícil abordar o tema poupança num país que abriga 52 milhões de pessoas pobres e 13,5 milhões em situação de miserabilidade. Entretanto, em tempos de pandemia, segundo a CNI (Confederação Nacional de Indústria), 32% da população ou quase 1/3 conseguiram gastar menos ou guardar dinheiro desde o início da pandemia. Pode ser difícil, mas é possível reverter à situação e começar a usar o dinheiro a seu favor. Economizar vem do Latim PALPARE, “avaliar pelo tato sopesar”, ou seja, para se saber se era possível fazer um gasto, a pessoa avaliava com a mão a sua bolsa de moedas. A palavra acabou gerando “poupar” no sentido de economizar.

Um dos principais motivos para se poupar, ou possuir uma conta poupança, é o fator economia, ou seja, você terá dinheiro guardado que será usado no futuro, seja em uma emergência ou em um planejamento de compra de um produto ou serviço. Você se torna mais confiante e poderá usufruir desse valor acumulado e usá-lo no melhor momento. Guardar dinheiro nunca foi tão importante quando no momento que se vive com a pandemia. Não gastar todo o dinheiro e manter-se no orçamento já é algo que torna as finanças pessoais equilibradas e sem muitas surpresas. Aconselha-se distribuir o que se ganha mantendo 50% para as despesas básicas e fixas; 30% para pagamentos prioritários ou dívidas; 20% destinar a poupança e aposentadoria. O brasileiro enquanto está na ativa não se preocupa com a aposentadoria, afinal a previdência vai sustentá-lo até o fim da sua vida, com valor mínimo que talvez não atenda a todas as suas necessidades. Com a reforma do sistema que ampliou o período ativo do trabalhador mudou o cenário e deve mudar a forma de planejamento financeiro de cada um.

Segundo o IBGE o valor médio poupado pelos brasileiros que conseguem planejar as suas finanças é, em torno de, R$ 540,00, um pouco mais de meio salário mínimo. Por outro lado, dados publicados em 2019 relatam que metade dos brasileiros sobrevive com apenas R$ 438,00 mensais per capita, ou seja, quase 105 milhões de pessoas tem menos de R$ 15,00 por dia, o que impossibilita pensar em poupança. Mesmo num país extremamente desigual, em tempos de pandemia economizar deve ser uma constante para cada família. Há várias maneiras de mudar o comportamento visando economizar. Desligar eletrodomésticos ao finalizar o uso, aproveitar a luz do sol ou invés de luz artificial, ao comprar produtos cheque o prazo de validade, congelar alimentos é uma forma de economizar dinheiro, colocar no prato apenas o que vai consumir, evitando desperdícios, seja criativo nas sobras, coloque os frios em potes, enfim faça a sua parte e sirva de exemplo para os demais, pois a organização e o planejamento são a chave para vencer a pandemia com os recursos financeiros que cada um dispõe.

É possível que a pandemia tenha contribuído para a nossa mudança de comportamento e nos mantenha econômicos a partir daí. Todos serão beneficiados, humanos e a natureza.

Artigo de autoria do economista João Carlos M. Madail, Conselheiro do Corecon-RS e Diretor da ACP - Pelotas, publicado no Diário Popular de Pelotas, edição do dia 20 de maio de 2021.

 

Estratégias para salvar ou iniciar o seu negócio

Durante a pandemia o índice de mortalidade de empresas e negócios disparam. De 4 entre 10 empresas fecharam as portas. O mais atingidos foram os autônomos, micros e pequenos empresários. Dos negócios e empresas que permaneceram em atividade, 37,5% declararam forte impacto negativo nos negócios em decorrência da pandemia. Em contrapartida, o número de microempreendedores individuais (MEI’s) cresceu 8,4% em 2020, pois muitas pessoas perderam seus empregos e por necessidade empreenderam.

A falta de planejamento, conhecimento de gestão e ausência de comportamento empreendedor são, tradicionalmente, os principais fatores de fechamento de empresas no Brasil, segundo o Serviço Brasileiro de Apoio às Micros e Pequenas Empresas (SEBRAE). Estes fatores, somados à pandemia decretaram a sentença de morte prematura de milhares de empresas.

Contudo, as empresas que sobreviveram, mesmo com dificuldades, têm em comum uma gestão mais sólida e/ou um empreendedor que pensa estrategicamente.

Alguns empreendem por necessidade, outros por sonho e muitas vezes os que empreenderam por necessidade acabam por descobrir que realmente é o que gostam de fazer. Entretanto, não basta ser excelente no que faz para levar adiante o negócio. Noções básicas de economia, finaças e estratégias de gestão podem salvar seu negócio das estatísticas de morte prematura.

Desta forma, abaixo listo 7 dicas de estratégias para você iniciar ou salvar seu negócio.

1. PLANEJAMENTO

Viva o presente, planejando o dia a dia, mas mantenha o campo de visão voltado para o longo prazo, pois a falta de planejamento é o principal motivo de insucesso. O comportamento de empreendedor caracteriza a pessoa que tem pensamento estratégico, compreendendo que estratégia é um processo de construção de futuro e que isto é importante para o crescimento sustentável e para sobrevivência do negócio frente a competitividade, exigências constantes e rápidas mudanças do mercado. Então, tão importante quanto tirar as ideias do papel, é ter estratégias e planejar as ações financeiras, as ações de marketing que vão gerar vendas e as formas de comunicação com clientes. Estratégias e planejamento devem estar presentes em todas as áreas e ações de um negócio. Isto vale também para as MEI’s, logicamente em menor proporção.

2. TENHA FOCO

Principalmente no início de um empreendimento são muitas as necessidades e tarefas. É sim possível fazer muitas coisas ao mesmo tempo, mas a qualidade nunca é a mesma. Qualidade e quantidade são razões inversamente proporcionais. Por isto não confie em sua memória por melhor que ela seja! Use um sistema de agenda tradicional ou online e crie um hábito, uma rotina de anotar e organizar as tarefas diárias, das mais simples às mais sofisticadas. Além disto, aprenda a identificar o que é urgente e o que é importante. Atualmente, há diversos softwares gratuitos para agenda e gestão de cronogramas.

3. AUTOCONHECIMENTO

Como já dizia Sócrates “Conhece-te a ti mesmo e conhecerás o universo e os Deuses”. Assim como as pessoas precisam se autoconhecer para se desenvolver, as empresas também precisam se conhecer para crescer. Para isto, é essencial conhecer o seu negócio, sabendo quais são os pontos fortes e fracos, bem como as oportunidades e ameaças ao sucesso do negócio. Na gestão estratégica este processo é conhecido como matriz SWOT, um termo em inglês que significa strengths (forças), weaknesses (fraquezas), opportunities (oportunidades) e threats (ameaças).

4. FINANÇAS

A gestão financeira é um ponto bastante sensível. Na maioria das vezes, o empreendedor é uma referência em sua área e justamente por isto decidiu empreender, mas comumente desconhece com gerir um negócio. Infelizmente não aprendemos finanças pessoais na escola e pior ainda, há um bloqueio e até vergonha de conversar sobre o assunto.

Quando se decide empreender deve-se contatar um escritório de contabilidade para tratar dos aspectos legais como registros, CNPJ, declarações e etc., pois para a maioria das empresas o registro e demonstrações contábeis são obrigatórios conforme a legislação brasileira. Embora, MEI’s não sejam obrigadas a possuir contador é indicado, pois há várias questões técnicas que precisam ser resolvidas.

Mesmo para as empresas que possuem contador, ocorre que muitos desconhecem que contabilidade é diferente de gestão financeira e assim começam os problemas.

Outro erro comum é não separar o seu dinheiro do dinheiro do seu negócio. Este ato é crucial para o negócio se manter saudável! Tenha muita atenção, pois a forma como você lida com o dinheiro, determinará onde você vai chegar.

5. TRANSFORMAÇÃO DIGITAL

É importante ter em mente que a tecnologia é um meio e não um fim. Assim, devemos encarar que a transformação digital não é somente o uso da tecnologia e sim, um meio de agregar valor ao negócio. Use a tecnologia para criar canais de comunicação e conhecer as necessidades do seu cliente. Desta forma, será possível solidificar e construir relacionamentos mais empáticos, mudando a maneira de tratar o cliente. “Não adianta ser digital e não ser humano”.

Além de ouvir as necessidades do cliente é determinante responder e saber lidar com as situações, sendo empático e reflexível. Nem sempre o cliente tem razão, mas ele sempre merece ser ouvido. Isto vai determinar a fidelização deste cliente. Lembre-se: pior que não indicar é contraindicar!

6. INOVE

Inovação é um processo e uma necessidade de se reinventar, pensar “fora da caixa”, se atualizar e principalmente, para fazer diferente, mais e melhor o que se faz hoje.

Muitas vezes, mais importante que as respostas, são as perguntas. Por isto, a chave é estar constantemente se perguntando… E se? Exemplo: E se eu mudasse a nossa frequência de e-mails/whatsapp? E se tentássemos uma nova forma de comunicação? E se criássemos um combo de produtos?

Os negócios mais inovadores do mundo estão SEMPRE realizando diversos testes e tirando insights de cada um deles. A maioria dos testes podem falhar ou serem inconclusivos. Mesmo assim, trarão aprendizados para você e para o negócio. Elimine o pensamento de “ah, isto não vale para mim, pois meu negócio é pequeno”. Tenha em mente que por maior que seja uma empresa hoje, todas já foram pequenas. Tudo tem um início!

7. ATENÇÃO ÀS TENDÊNCIAS E LIÇÕES APREENDIDAS

O futuro não chega do nada. Ele dá sinais. Sinais que aparecem através das tendências. Por exemplo, a televisão, a internet, o celular e o uber demonstram a importância de dar atenção às tendências. Todos estes produtos que hoje são conhecidíssimos, já foram um dia desacreditados e considerados que jamais fariam sucesso.

É importante registrar todos os acertos e erros cometidos. Não tenha medo de errar (é errando que se aprende), mas não cometa sempre os mesmos erros! Chamamos isto de lições aprendidas. São conhecimentos adquiridos durante a realização de um processo ou projeto e, portanto, fazem parte do processo de aprendizagem. A ideia é produzir um documento que sirva como uma espécie de manual que possa ser consultado constantemente, podendo replicar as práticas que deram certo, evitar as falhas e assim ir buscando melhorias continuas. “Quem não melhora continuamente, fracassa lentamente”.

UBUNTU!

Texto: Dirlene Silva - @dirlene.economista
Edição: Filipe Almeida - @fialmeida.iam
Publicação: Black Collab - @theblackcollab

Artigo, de autoria da da economista Dirlene Silva (CEO na DS Estratégias&Inteligência e Linkedin Top Voices 2020), publicado no site Black Collab, em 3 de maio de 2021. Para ler no Site Black Collab, clique aqui

As reflexões de Lara Resende e a elevação da taxa Selic

A política monetária no Brasil é caracterizada por manter o juro básico da economia — a taxa Selic — em patamar elevado durante décadas, contribuindo, assim, para a elevação da dívida bruta devido à incorporação crescente de juros nominais. Desde a implantação do Plano Real, ela oscilou, em termos nominais, de 53,1% ao ano em 1995 até uma taxa histórica de 2% ao ano em agosto de 2020, voltando a se elevar para 3,5% em maio de 2021 (Gráfico 1).

Entre 1994–1999, a estabilização dos preços se deu mediante a âncora cambial, exigindo os juros elevadíssimos para atrair capitais externos. A implantação do regime de metas de inflação, a partir de 1999, também exigiu credibilidade para controlar as expectativas de mercado, assim como sacramentou uso da taxa de juros para manter o controle inflacionário.

A partir de 1999, sucessivos governos de matizes diferenciados, pelo menos no discurso político, conduziram a mesma política monetária, mantendo a média da Selic nominal em 16% ao ano (1995–2020). Esse padrão de juros elevados passa a contrastar com os principais bancos centrais do mundo, principalmente num contexto de flexibilização monetária e de taxas básicas reduzidas após a crise internacional de 2008.

Chega ser paradoxal que a redução da taxa básica no Brasil tenha ocorrido mais fortemente durante a gestão do Ministro Guedes, adepto da escola de Chicago. No entanto, convém registrar duas questões relevantes. Primeiro, a queda da Selic se iniciou em 2016, atingindo o patamar mínimo em 2020. Segundo, a taxa implícita da dívida permanece elevada para os títulos públicos de longo prazo.

Como uma reação inevitável do mercado financeiro brasileiro, pressionado por rendimentos reais negativos na renda fixa, os tambores rufaram em nome de uma nova taxa de juros neutra, obviamente maior. A cada nova reunião do Copom, muita mídia é gasta para justificar a elevação da Selic (2,75% ao ano e, agora, 3,5%).

No modelo teórico, um excesso de produto acima do potencial pressionaria a inflação, obrigando o Banco Central (Bacen) a elevar a taxa de juros para conter o excesso de demanda, forçando a queda do nível de preços. Todavia, como bem alertou Lara Resende (2021a; 2021b) em artigos recentes: qual é o foco teórico do excesso de demanda ou da elevação das expectativas futuras, se há desemprego elevado e capacidade ociosa em setores da economia, bem como enormes reservas em dólares depositados no Bacen?

Se as expectativas do mercado estão infladas por um risco de “dominância fiscal”, qual é a coerência em elevar a taxa básica, a qual pressionará a despesa financeira do Tesouro Nacional? Tudo isso, soa muito contraditório com as evidências.

De forma crítica e consistente, esse economista vem publicando livros (cito Juros, Moeda e Ortodoxia) e artigos no Valor Econômico, questionando os fundamentos da moderna macroeconomia, seja ela neoclássica, seja novo clássico. Ele argumenta que o velho postulado da teoria quantitativa da moeda foi sepultado, pois vem ocorrendo a flexibilização quantitativa na política monetária executada pelos principais bancos centrais do mundo e a inflação continua estável na Europa, Estados Unidos, Japão etc.

Também sugere que o excesso de dedução matemática inclusa nos atuais modelos teóricos são abstrações ideais, de cunho conservador, sendo que a hipótese de “expectativas racionais” reflete a radicalização da tese de que o “mundo das ideias” se sobrepõe a realidade. Como já disse Joan Robinson, os modelos teóricos de análise parcial ou geral trabalham com relações estacionárias de equilíbrio. Dadas as equações gerais, a postulação de equilíbrio (taxa de juros neutra, desemprego natural etc.) é um processo lógico que só existe aos olhos de quem constrói o modelo.

Em termos do debate teórico, uma das reflexões recentes de Lara Resende (2017, p.133-134) é revisitar as novas contribuições à macroeconomia, como a Teoria Fiscal do Nível de Preços. Esta última interpreta a conhecida restrição orçamentária do governo como uma condição de equilíbrio. A igualdade entre o déficit nominal e o valor presente dos resultados primários futuros não é apenas determinado pelo resultado primário, mas também pelo nível de preços que atua em ambos os lados da igualdade.

O papel da inflação seria reduzir o valor real do passivo nominal (dívida pública e moeda), havendo uma nova causalidade para a determinação do nível de preços. Os preços determinam a inflação e não ao contrário como supõe o monetarismo. A âncora do nível de preços e da inflação é de base fiscal, sendo o papel da política monetária interferir na taxa de juros básica e, assim, em toda sua estrutura a termo.

A migração dos bancos centrais para o regime de metas de inflação, em substituição ao controle dos agregados monetários, é uma prova empírica de que a plena postulação monetarista não encontra mais respaldo na execução da política monetária. Portanto, tais questionamentos negam os fundamentos da argumentação do monetarismo, que é ainda ensinado como uma verdade universal e serve de guia ideológico para o mercado financeiro.

Voltando ao caso concreto do Brasil, em recente Nota Técnica (2021), o Ministério da Fazenda calculou a economia fiscal obtida pela queda dos juros no Brasil entre novembro de 2016 e dezembro de 2020. A taxa de juros implícita da dívida líquida do governo central caiu de 43,4% ao ano em janeiro de 2016 para 8,9% ao ano em dezembro de 2020, representando uma economia de R$ 900 bilhões em apenas 50 meses.

Informações adicionais são encontradas nas estatísticas fiscais disponibilizadas pelo Banco Central. Nelas aparecem dimensionados o montante de juros nominais pagos e/ou incorporados à dívida bruta do governo geral (DBGG) e os fatores determinantes de sua expansão.

Fazendo-se um balanço dos últimos 15 anos (2006–2020), as estatísticas revelam que a dívida bruta saltou de R$ 1,3 trilhão em 2006 (55,5% do PIB) para R$ 6,6 trilhões ao final de 2020 (88,8% do PIB), expresso em vertiginoso incremento de R$ 5,3 trilhões.

Os fatores que condicionaram à sua expansão são: a incorporação de juros nominais (R$ 4,4 trilhões); as emissões líquidas de títulos mobiliários (R$ 555 bilhões); o reconhecimento de dívidas e/ou privatizações (R$ 52,7 bilhões); e a política cambial de compra de reservas internacionais (R$ 232,4 bilhões). Assim, a incorporação de juros nominais é responsável por 84% da expansão da dívida bruta (Tabela 1 do Anexo). Esses juros alcançam uma média de 5,8% do PIB, com uma estimativa de custo médio na ordem de 10,9% ao ano, expressa em uma Selic média nominal de 10% ao ano para o período em questão (Tabela 2 do Anexo).

Um dos pontos centrais dos mencionados artigos, reconhecido pelo citado autor, é que a elevação dos juros aumenta a despesa financeira do orçamento fiscal, logo serve como agravante ao desequilíbrio das contas públicas. Lembre-se que o setor público brasileiro registrou resultados primários positivos (2002–2013) e mesmo assim o déficit nominal continuou elevado.

Tudo isso parece óbvio e já amplamente debatido. Contudo, boa parte dos economistas e da sociedade insistem em identificar o problema do déficit público quase que exclusivamente relacionado aos gastos públicos. Quando se observa os montantes de juros nominais (em média R$ 320 bilhões/ano), é bom lembrar que ele é apropriado, em parte, pelos detentores de riqueza líquida. Como bem observa Lara Resende (2021b): “O aumento dos juros é uma transferência direta do Estado para os detentores da dívida, para aqueles a quem a fortuna, vamos dizer assim, deu renda superior às suas necessidades e lhes permitiu acumular riqueza em títulos públicos”.

Isso representa um fato marcante no relacionamento que se estabelece entre o Tesouro Nacional e o Bacen, já que a expansão do passivo nominal do governo é determinada pelo crescimento da despesa financeira e a taxa de juros é a sua responsável. Com juros elevados não há expansão consistente da demanda agregada e nem ambiente para os investimentos necessários ao crescimento econômico.

Registro, contudo, que os dois parágrafos anteriores não podem ensejar uma interpretação marxista, bem conveniente ao movimento sindical. Em recente discurso o Presidente dos Estados Unidos, Joe Biden, disse que Wall Street não construiu a América. Poderia ser acrescentado que, provavelmente, os bancos emprestaram os fundos necessários ao desenvolvimento, mas certamente não conduziram a destruição criativa.

Transpondo tal assertiva ao caso brasileiro, enquanto continuarmos presos à política monetária conservadora com os juros e a sua estrutura a termo, o fluxo de caixa da economia real continuará deprimido, criando-se uma barreira objetiva ao investimento privado. Essa é uma conclusão de inspiração keynesiana relembrada por Lara Resende.

De um lado, mantida a lógica de que “r>g”, sempre haverá uma reforma ou corte adicional a ser realizado sobre o gasto público, objetivando manter os fundamentos da restrição orçamentária do governo. Implícito nessa lógica está o “esquecimento” dos juros nominais, afinal a geração de resultados primários positivos garante o pagamento devido aos detentores de riqueza.

De outro, no campo da oposição ao sistema de mercado ou do populismo fiscal, sempre haverá a interpretação equivocada de Keynes: a elevação dos gastos públicos como a solução milagrosa à substituição da iniciativa privada e ao fortalecimento do capitalismo de Estado, ou seja, somente se vislumbra o “crowding in”.

O peso do passivo nominal dos governos e as despesas com juros continuam a impactar os orçamentos fiscais, ainda que tenha decaído o serviço da dívida nos anos recentes devido à queda da Selic. Além disso, há outros fatores que dificultam o equilíbrio orçamentário. A expansão dos déficits previdenciários foi, em parte, decorrente de um fenômeno demográfico e por problemas intrínsecos ao regime de repartição simples. Os contínuos resultados negativos da seguridade social da União cresceram devida à insuficiência de receita disponível posta à sua disposição para executar o que está previsto na Constituição de 1988. Os orçamentos fiscais são rígidos devido às regras de vinculação constitucionais.

O expediente básico usado pela política fiscal tem sido corte constante de gastos públicos e a elevação da carga tributária em todos nos níveis de governo. Governos subnacionais relevantes quase entraram em default para cumprir os acordos de dívida e acumulam passivos insustentáveis. A partir de 2014, várias leis complementares de refinanciamentos foram aprovadas e o problema, ainda, permanecerá por mais 10 anos ou mais.

Em resumo, tudo o que está dito acima já foi escrito e reescrito. No entanto, a mídia e o mercado continuam presos ao esquema teórico conservador, cujo resultado tem custado décadas de baixo crescimento. A independência do Banco Central, recentemente aprovada, foi um marco importante no processo de fortalecimento das decisões de política monetária, não podendo ser entendida como uma captura pelo mercado financeiro. Numa agenda modernizadora, poderia ser levada adiante a proposição de depósitos remunerados no Bacen e a paulatina redefinição do uso das operações compromissadas.

Fundamentalmente, caberia ao governo central e ao Bacen encontrar uma solução ótima entre a pressão do mercado financeiro em torno da taxa básica de juros no Brasil e a necessidade premente dos governos reduzirem seus passivos. A inflação poderia resolver o problema desses passivos, mas tem um custo social muito elevado para os mais pobres.

Os investidores não compram títulos públicos de governos com risco fiscal elevado. Contudo, a estrutura de juros no Brasil precisa estar em sintonia com a sustentabilidade da dívida pública. Os melhores quadros e executivos atuam na autoridade monetária, cabendo a eles indicarem um novo caminho, além do regime de metas de inflação, que esteja em sintonia com o papel assumido pelos bancos centrais no mundo. O governo Biden parece estar redefinindo um novo papel para a política fiscal, sendo que seus resultados serão avaliados com o passar do tempo.

Artigo de autoria do economista, auditor-fiscal aposentado da Secretaria da Fazenda do RS, Roberto Balau Calazans, publicado no blog "FinançasRS". Para acessar o artigo CLIQUE AQUI

 

Como o Governo do Estado do RS colocou em dia a folha de pagamento de seus servidores

A colocação da folha em dia, depois de mais de quatro anos de atraso, tem dado lugar às mais diversas interpretações, muitas totalmente equivocadas.

Em primeiro lugar, esse é um objetivo que vem sendo perseguido desde o governo Sartori, que deu início a esse atraso, procurou eliminá-lo aumentando impostos, fazendo reformas, suspendendo o pagamento da dívida e tentando aderir ao Regime Recuperação Fiscal.

É preciso que se diga que a crise histórica das finanças, que vem de décadas, foi agravada ultimamente por dois motivos: o crescimento da folha de pagamento, que passou de R$ 13,4 bilhões em 2010 para R$ 29,2 bilhões em 2018, num incremento de duas vezes a inflação e 1,5 vezes o crescimento da receita. Embora esse crescimento se verificasse em oito anos, ele foi gerado nos primeiros quatro (2011-2014). Para agravar mais a situação, entre 2015 e 2018, a receita corrente líquida cresceu apenas 0,5% ao ano em termos reais.

O governo atual, que assumiu em meio a essa crise, ainda teve sua receita reduzida substancialmente entre março e julho de 2020, quando recebeu ajuda federal para aplicar em saúde e para livre aplicação. A suspensão das prestações da dívida não foi sentida por nosso Estado, porque já fazia desde julho/2017, por força de medida liminar. Recebeu também benefício no tocante à dívida com credores multilaterais.


Além disso, foi beneficiado pelas vedações ao aumento de despesa, impostas pela mesma lei complementar que autorizou os recursos, a LC 173/020. Esse fato, acompanhado da receita que passou a crescer a partir de julho de 2020, mais a ajuda federal, geraram grandes superávits em todos os estados, permanecendo em déficit somente RS e MG, mas com grande redução.


Além disso, o governo atual fez reformas profundas na previdência e nos quadros de pessoal, que terão grande efeitos com o passar do tempo. No curto prazo, no entanto, o maior efeito se verificou no aumento das contribuições previdenciárias.


Pode se dizer que os recursos federais tiveram grande influência no pagamento da folha, porque supriram com vantagem as perdas ocorridas, mas o Estado o utilizou a parcela que veio para aplicar em saúde na sua verdadeira finalidade, a saúde. Recebeu no total, em torno de R$ 3 bilhões, nada tendo a ver com as somas estratosféricas de que se ouve falar. Quem quiser entender melhor o assunto, disponibilizo a apresentação em causa.

Artigo de autoria do economista Darcy Francisco Carvalho dos Santos, especialista em finanças públicas e conselheiro do Corecon-RS, publicado no Blog FinançasRS, em 05 de maio de 2021. Leia aqui

 

Interrupção nas pesquisas do IBGE



Não há dúvida sobre a importância do papel que desempenha o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) para o país. Trata-se da principal fonte de informações oficiais que instrumentaliza estudos científicos e planejamento de ações públicas.

A informação de qualidade é uma das formas de obtenção de conhecimento que se adquire no momento certo, visando correções, adequações ou vantagens competitivas em todas as nossas ações, sejam públicas ou privadas.O último censo realizado pelo IBGE ocorreu em 2010 e deveria ser atualizado em 2020, mas em função da pandemia foi prorrogado para 2021.

Com alegações de falta de recursos financeiros o governo anuncia que não haverá pesquisas que retratam as características da sociedade brasileira, de sua economia e condições de vida, o que nos ofereceria um panorama completo da sua evolução ao longo do tempo. Como pesquisador e usuário das informações do IBGE na maioria dos estudos que realizei e continuo realizando, mesmo depois de aposentado, lamento profundamente esta quebra de sequência das informações, altamente prejudicial a quem depende delas para projeções e tomada de decisão.

O mundo está acelerado, a economia mudou, os trabalhos convencionais tendem a acabar e as mudanças que iremos vivenciar daqui para frente serão ainda maiores e mais rápidas. Há dez anos assistimos ao primeiro vídeo no Youtube, hoje o Youtube tem mais de um bilhão de usuários. Há dez anos surge o Facebook começando dentro de uma universidade. Hoje, o Facebook tem 1,4 bilhão de usuários e está presente em quase todos os países do mundo. Há dez anos havia 6,4 bilhões de seres humanos na terra e apenas um bilhão estavam on-line. Hoje há 7,4 bilhões e três bilhões tem acesso à internet, sendo mais de 120 milhões aqui no Brasil. Há dez anos não existia Uber ou AirBnb, hoje muita gente deixou o carro de lado em função das facilidades dos novas opções de transporte e tem optado por locações temporárias nas cidades ou nas praias.

Conhecer todas estas informações e outras tantas contidas nos dados do IBGE permitem o melhor planejamento nos investimentos de infraestrutura necessários ao bem estar da população. Saber em que nível tudo isto está acontecendo no Brasil é uma questão de sobrevivência das pessoas comuns, dos estudantes, dos pesquisadores, dos governantes e dos investidores. Em dez ou onze anos muita coisa já mudou, a nossa fotografia passada já não retrata o que somos o que pensamos e o que desejamos ser. Sem estas informações o setor público não terá condições de planejar ações de impacto sobre a sociedade, o setor privado terá dificuldades de prospectar potenciais clientes e consumidores e a comunidade científica e estudantes não encontrarão informações que lhes respaldem na multiplicação de conhecimentos nas mais variadas áreas do saber.

Como nação em desenvolvimento, que enfrenta uma situação inusitada, onde os recursos financeiros são escassos e as demandas essenciais são prioritárias, entendo que o conhecimento do que somos, neste momento, também é importante para o nosso futuro e deveria merecer atenção do governo.

Artigo de autoria do economista João Carlos M. Madail, Conselheiro do Corecon-RS e Diretor da ACP - Pelotas, publicado no Diário Popular de Pelotas, edição do dia 30 de abril de 2021.

Quebra das empresas na pandemia

Quem nunca pensou em ter o seu próprio negócio, ser patrão e comandar pessoas com o objetivo de produzir algo de interesse para alguém e com isso ganhar dinheiro. São comuns alguns iniciantes a empresários utilizarem conhecimentos empíricos para iniciar o negócio, outros se valem de ajuda técnica como forma de reduzir riscos de insucesso, muito comum nos primeiros anos de existência da empresa. O ideal é combinar os conhecimentos empíricos com os especializados, mesmo que esta tomada de decisão não garanta segurança total para a sobrevivência do negócio. Enquanto o cenário é favorável com a economia aquecida fica mais fácil administrar uma empresa da forma estabelecida, no entanto quando acontecem mudanças inesperadas, náo previstas na estratégia inicial, projetada pelo administrador, as coisas se tornam difíceis e podem destruir o sonho do cidadão empresário. São vários os motivos que levam uma empresa a quebrar, o principal deles é a falta de dinheiro para atender os compromissos assumidos e manter a família do empresário com a renda projetada.

A pandemia não estava contida nos planos de manutenção e crescimento das empresas e pegou de surpresa a todos, especialmente as empresas inseridas no ramo dos produtos não essenciais. Trata-se de um novo cenário que bagunçou a vida de todos os indivíduos, isolando consumidores de empresários que permanecem na maior parte do tempo em casa, recalculando gastos e destinando o mínimo necessário para os produtos essenciais à sobrevivência da família. Mesmo que os empresários tenham mudado as suas estratégias de venda, não tem sido fácil convencer os clientes a adquirir os seus produtos, fazendo com que revejam as suas ideias de manter o negócio ativo.

O governo tem sinalizado com ajuda financeira aos empresários, mas em muitos casos, para uns esta ajuda demorou em chegar e para outros é insuficiente para manter o negócio. As companhias aéreas foram as primeiras a demonstrar fraquezas, empresas de turismo ou de viagens corporativas, assim como varejistas com fraca presença no e-commerce, também estão na lista dos quebrados. Portanto não foi somente a lojinha da esquina que está passando por apuros, os grandes também. As estatísticas publicadas mostram que de cada 10 empresas que fecharam no país, quatro foram afetadas pela pandemia. No país inteiro, na primeira quinzena de 2021 fecharam 1,3 milhão de empresas e tudo leva a crer que o processo de fechamento continue. É flagrante também em Pelotas o número de empresas que já fecharam as portas, despediram funcionários em função do desaparecimento de clientes. Apenas aquelas que trabalham com produtos ou serviços essenciais continuam ativas, mas com quedas nas vendas. Enfim, a pandemia acabou com o sonho de muita gente de ter o seu próprio negócio e contribuir com empregos e impostos na movimentação da economia. A retomada dos negócios, ainda sem previsão muito clara, demandará um preço caro para os empreendedores e muita criatividade para recomeçar do zero, considerando a pobreza estabelecida nas camadas mais numerosas da população que, em geral, é a que mais consome. A vacinação para todos é um grande alento para a retomada da vida e dos negócios, com a oportunidade de olhar de outra forma para si, para o outro e para a cidade.

Artigo, de autoria do economista João Carlos M. Madail, Conselheiro do Corecon-RS e Diretor da ACP - Pelotas, publicado no Diário Popular de Pelotas, edição do dia 15 de abril de 2021.

As finanças públicas dos Entes Subnacionais e os desafios em meio à pandemia

 

As finanças públicas dos estados e municípios já apresentavam deterioração muito antes da Covid-19. E agora, quais são os principais desafios a serem enfrentados pelos governadores e prefeitos durante a pandemia?

O Boletim de Finanças dos Entes Subnacionais[1] (BFES)[2] de 2020, publicado pela Secretaria do Tesouro Nacional (STN) foi elaborado durante os impactos econômicos da pandemia da Covid-19. Com isso, até o momento de sua publicação, o BFES trouxe poucos ou quase nenhum reflexo, dos efeitos da pandemia na situação fiscal dos Entes Subnacionais. Porém, os impactos da pandemia na economia durante o ano de 2020, como a frustração de receitas estaduais e municipais e a elevação das despesas de saúde e assistência social, sinalizam importantes preocupações conjunturais em 2021.

Em 2020, por meio da Lei Complementar nº 178, de 27 de maio de 2020[3], que estabeleceu o Programa Federativo de Enfrentamento à Covid-19, a União transferiu em forma de auxílio financeiro aos Entes Subnacionais, o valor total de R$ 60 bilhões, para aplicação em ações de saúde, assistência social e para a cobertura das perdas de ICMS e ISS em decorrência da pandemia[4].

Porém, mesmo antes do surgimento da pandemia, muitos estados e municípios estavam passando por dificuldades em suas finanças. No caso dos estados, mesmo que em 2019 o agregado das receitas primárias estaduais tenham sido superiores ao agregado das despesas primárias estaduais, o que possibilitou superávit primário pela primeira vez desde 2016 (ano da primeira publicação do BFES), muitos estados apresentaram dificuldades na obtenção de operações de crédito[5], para cobertura da sua Necessidade de Financiamento (NF).

Para compreender como se obtém a NF e a importância das operações de crédito para sua cobertura, é necessário entender o que são os resultados primários. Os resultados primários são obtidos pela diferença entre receitas primárias e as despesas primárias. As receitas primárias são formadas pelas receitas tributárias e pelas transferências governamentais, desconsiderando as receitas financeiras (juros recebidos). As despesas primárias são formadas pelas despesas sem considerar as despesas financeiras (despesa com juros). O superávit primário ocorre quando as receitas primárias são superiores às despesas primárias, enquanto que o déficit primário, surge quando as despesas primárias são superiores às receitas primárias.

A NF é calculada pelo somatório do déficit primário e as despesas financeiras líquidas (saldo resultante entre as despesas de juros menos as receitas com juros). As principais formas de financiamento para cobertura da NF dos Entes Subnacionais são a alienação de bens[6] e as operações de crédito. Na ausência dessas fontes de financiamento, não é possível a cobertura da NF, o que força os estados a postergarem os pagamentos dos fornecedores, uma vez que estados e municípios não emitem títulos da dívida pública.

Ao mesmo tempo que possuem cada vez menos bens para alienação, os Entes Subnacionais também têm encontrado dificuldades para realização de contratação de empréstimos e financiamentos, em decorrência de regras que limitam as operações de crédito. As operações de crédito realizadas pelos estados chegaram ao mais baixo patamar em 2019, em decorrência das novas regulamentações de limites impostas pela STN[7].

A STN permitiu maiores possibilidades de endividamento para estados e municípios com menor nível de endividamento, em detrimento daqueles com maior nível de endividamento, como é o caso de Estados como Rio de Janeiro, Rio Grande do Sul, Minas Gerais e São Paulo; e capitais como São Paulo, Rio de Janeiro, Florianópolis, Manaus e Belém. Estas medidas resultam na impossibilidade de contratação de empréstimos e financiamentos pelos entes que apresentam problemas financeiros mais significativos.

Além do endividamento, outros critérios criaram barreiras para que estados e municípios, acessem financiamentos e empréstimos, em decorrência dos seus baixos índices de Capacidade de Pagamentos (CAPAG). O índice de CAPAG é dado pela análise do nível de endividamento, da capacidade de poupança e da liquidez dos Entes, e serve para avaliar se os Entes Subnacionais poderão ou não realizar operações de crédito com aval da União[8], reduzindo assim, a possibilidade de cobertura de suas respectivas NF.

Assim, devido à baixa capacidade de endividamento, um dos principais desafios enfrentados pelos governadores e prefeitos é preparar-se antecipadamente, para a redução de despesas no pós-pandemia, em decorrência do aumento extraordinário com as despesas em assistência social e saúde. Combinada com a redução de despesas há a necessidade de aumento da arrecadação, sem elevar a carga tributária estadual e municipal. Para tanto, será necessária maior força de fiscalização, por meio da implementação de tecnologia, voltada ao aumento da eficiência tributária. Além disso, os estados e municípios precisarão enfrentar as consequências das novas regras do Fundo de Manutenção e Desenvolvimento da Educação Básica (FUNDEB)[9], que mesmo tendo aspectos meritórios, irão reduzir ainda mais a disponibilidade financeiras de muitos Entes Subnacionais.
Também caberá aos governadores e prefeitos, agilidade na viabilização junto das assembleias legislativas e câmaras de vereadores, da adaptação de suas previdências, conforme a Reforma da Previdência Federal[10], além de implementar em seus âmbitos, regimes de previdência complementar até o mês de novembro de 2021. Essa adaptação busca adequar as alíquotas dos regimes de previdência estadual e municipal às alíquotas de nível federal, possibilitando que haja maior fôlego financeiro, para estados e municípios, diante dos seus elevados gastos previdenciários. Isso irá garantir não só a previdência de seus servidores, mas também a manutenção das políticas públicas para toda a população.

Neste sentido, aparece como alternativa de recuperação fiscal para os estados e municípios, o Programa de Acompanhamento e Transparência Fiscal e o Plano de Promoção do Equilíbrio Fiscal, conjunto de medidas conhecidas como Plano Mansueto[11]. O Plano Mansueto tem como objetivo estabelecer um conjunto de metas e compromissos pactuados entre a União os Entes Subnacionais, para promover o equilíbrio fiscal e a melhoria das respectivas CAPAGs.

Para tanto, os estados ou municípios que desejarem aderir ao Plano, deverão estar sujeitos à determinados pré-requisitos. Dentre os pré-requisitos exigidos, os Entes Subnacionais deverão adotar medidas para a concessão, liquidação ou extinção de empresas públicas ou de economia mista, como a prestação de serviços de saneamento; a adoção de regime próprio de previdência social e de previdência complementar; reduzir em pelo menos 20% os benefícios fiscais ou financeiros fiscais, que decorram renúncia de receita; o alinhamento dos regimes jurídicos de servidores públicos estaduais e municipais aos regimes da União, para redução de benefícios ou vantagens; instituir regras e mecanismos de limitação do crescimento das despesas primárias à variação do IPCA[12]; realizar leilões de pagamento, para quitação de obrigações inscritas em restos à pagar ou inadimplidas, e a autorização para pagamento parcelado destas obrigações; e a adoção da gestão financeira centralizada no âmbito do poder executivo de cada ente, para melhor gestão dos resultados financeiros.

Finalmente, a Emenda Constitucional 109, de 15 de março de 2021[13], que possibilitou a concessão de um novo auxílio emergencial, criou também novas medidas de ajuste fiscal. Dentre essas medidas destacam-se a limitação nos gastos com o grupo de despesa de pessoal e a não criação de fundos públicos, reduzindo assim a inflexibilidade de uso dos recursos públicos. Ainda, possibilitou o uso do superávit financeiro (superávit financeiro é apurado no balanço patrimonial pela diferença entre ativo e passivo financeiro), dos fundos públicos existentes, para uso exclusivo na amortização da dívida pública. A Emenda Constitucional, envolve a desvinculação do superávit de todos os fundos, exceto àqueles voltados ao financiamento da manutenção e desenvolvimento do ensino; de ações e serviços públicos de saúde; fomento e desenvolvimento regionais; e para realização de atividades da administração tributária.

Mesmo que as soluções para os desafios técnicos possam ser sinalizadas com clareza, em termos práticos, a aplicação de tais soluções exigem mais do que pessoal com elevado nível técnico, mas também, exigirá vontade política dos gestores públicos. Os desafios políticos são muitos e irão demandar muito diálogo entre os poderes executivos e legislativos nos estados e municípios.
Como se sabe, os recursos são escassos e as necessidades ilimitadas, ainda mais diante das complexas relações que existem na gestão púbica e política brasileira. As dificuldades em aplicar uma responsável gestão financeira, entram em conflito com importantes e até legítimos interesses de manutenção de gastos públicos, ainda mais no momento da incidência de uma crise sanitária e econômica, com grande relevância histórica e ainda, infelizmente, sem data para acabar.

[1] Os Entes Subnacionais são os entes que formam a divisão político-administrativa do Brasil. Dentre eles estão os Estados Federados, o Distrito Federal e os municípios, de acordo com a redação do artigo 18, da Constituição Federal.
[2] Os dados e informações utilizados para a elaboração do artigo foram extraídos de: SECRETARIA DO TESOURO NACIONAL. Boletim dos Entes Subnacionais. Disponível em < https://www.tesourotransparente.gov.br/publicacoes/boletim-de-financas-dos-entes-subnacionais/2020/114?ano_selecionado=2020> Acesso em: 20. 02. 2021.
[3] Para ver as regras na distribuição dos recursos, ver: DIÁRIO OFICIAL DA UNIÃO. Lei Complementar nº 173, de 27 de maio de 2020. Disponível em < https://www.in.gov.br/en/web/dou/-/lei-complementar-n-173-de-27-de-maio-de-2020-258915168> Acesso em: 03. 03. 2021.
[4] As perdas foram estimadas com base nos meses de duração da pandemia em 2020, apuradas por meio da comparação das receitas realizadas dos mesmos meses de 2019. O ICMS (Imposto Sobre Circulação de Mercadorias e Serviços) em nível estadual e o ISS ou ISSQN (Imposto Sobre Serviços de Qualquer Natureza), em nível municipal. Ver: CÂMARA DOS DEPUTADOS. Estudo Técnico nº 24/2020. Disponível em <https://www2.camara.leg.br/orcamento-da-uniao/estudos/2020/est-00782-2020-estudo-tecnico-24_2020-lc-173-subst-plp-149_04_08/view> Acesso em: 03. 03. 2021.
[5] As operações de crédito são a contratação de empréstimos ou financiamentos, para o financiamento políticas públicas, podendo ter origem interna ou externa.
[6] A alienação de bens é quando a administração pública realiza a venda de bens públicos para terceiros.
[7] SECRETARIA DO TESOURO NACIONAL. Portaria nº 658, de 28 de setembro de 2019. Disponível em: https://www.in.gov.br/web/dou/-/portaria-n-658-de-28-de-setembro-de-2019-218825328> Acesso em: 20. 02. 2021.
[8] Ver nota 1 e: SECRETARIA DO TESOURO NACIONAL. Capacidade de Pagamento (CAPAG). Disponível em < https://www.tesourotransparente.gov.br/temas/estados-e-municipios/capacidade-de-pagamento-capag> Acesso em: 20. 02. 2021. As operações de crédito que exigem aval da União são aquelas contraídas no exterior.
[9] PRESIDÊNCIA DA REPÚBLICA. Emenda Constitucional nº 108, de 26 de agosto de 2020. Disponível em < http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/emendas/emc/emc108.htm.> Acesso em: 20. 02. 2021.
[10] PRESIDÊNCIA DA REPÚBLICA. Emenda Constitucional nº 103, de 12 de novembro de 2019. Disponível em < http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/emendas/emc/emc103.htm#:~:text=Altera%20o%20sistema%20de%20previd%C3%AAncia,Art.> Acesso em: 20. 02. 2021.
[11] Estabelecido pela Lei Complementar nº 178, de 13 de janeiro de 2021, o Plano Mansueto foi como ficaram conhecidos o Programa de Acompanhamento e Transparência Fiscal e o Plano de Promoção Fiscal, devido ao seu autor, o secretário da STN, Mansueto Almeida. Para saber mais acesse: PRESIDÊNCIA DA REPÚBLICA. Emenda Constitucional nº 103, de 12 de novembro de 2019. Disponível em < http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/lcp/Lcp178.htm.> Acesso em: 27. 02. 2021.
[12] Índice Nacional de Preços ao Consumidor Amplo.
[13] PRESIDÊNCIA DA REPÚBLICA. Emenda Constitucional nº 109, de 15 de março de 2021. Disponível em < http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/emendas/emc/emc108.htm.> Acesso em: 20. 03. 2021.

Artigo, de autoria do economista Mário de Lima, professor universitário, Assessor Econômico da SMFPA, Presidente do Corecon-RS, publicado no site Economistas no Debate.

Lições do coronavírus para a humanidade

Não há dúvida de que o coronavírus, de uma hora para a outra, transformou a vida das pessoas que habitam o planeta terra. Mesmo que o verdadeiro problema criado pela Covid seja o colapso da economia dos países, o que não foi o caso da China e índia que constataram seus PIBs crescerem na pandemia entre os 48 maiores países do mundo, provando as suas capacidades de desenvolvimento em benefício das duas maiores populações do planeta; China com 1,3 bilhões e Índia com 1,1 bilhão de habitantes. Por outro lado, do ponto de vista das relações internacionais e econômicas, há previsões de que o mundo nunca mais será o mesmo. Segundo uma previsão otimista, a necessidade óbvia da participação do Estado no enfrentamento da atual crise – caso inclusive de países neoliberais como o Brasil – aponte para um mundo em que o Estado voltará a ser protagonista e os governos mais propensos ao social.

Não há dúvida que a crise que se vive em 2021, com os conflitos, as mudanças climáticas e a Covid-19 será a maior desde a 2ª guerra mundial. Pensou-se que as guerras como efeito de problemas, políticos ou religiosos cessariam com a pandemia o que seria uma ótima razão para a volta da paz entre as nações. Mesmo que se torça para que os atos de guerra, neste momento, possam ser paralisados, pois o inimigo agora é o vírus e não os humanos que vivem em milhões nas zonas de conflito, não tem sido esta a realidade e os protagonistas sanguinários ignoram a existência da pandemia. Nos últimos nove anos vários países estão em guerra como a Síria, o Afeganistão, e vários outros, sendo devastado e ainda contaminado pela Covid-19, o que agrava a situação. Nesse contexto, a situação piorou no Iêmen, país do Oriente Médio que há quatro anos é devastado o que parece não preocupar os dirigentes com a pandemia e se joga na luta mesmo vivendo a triste realidade da destruição dos seus hospitais por bombas onde 80% da população clamam por ajuda humanitária para continuar sobrevivendo. Certamente a pandemia e a guerra destruirão o país por inteiro em pouco tempo. Na Síria não é diferente, os conflitos tem resultado em milhares de mortos, ignorando os que agonizam com a pandemia. Outros países envolvidos em conflitos parece estarem dispostos a interromper os combates, como no caso de Camarões, República Centro-africana, na Colômbia, na Líbia, em Mianmar, nas Filipinas, no Sudão do Sul, na Síria, na Ucrânia e no Iêmen. Existe, neste momento, uma boa oportunidade para a paz, mas os humanos insistem em desconhecer o verdadeiro inimigo.

A tempestade da Covid-19 ultrapassou as fronteiras dos países, independente de estar ou não em conflito, mostrando sua força superior aos canhões ou misseis utilizados nos conflitos, atingindo as populações já fragilizadas pelos horrores das guerras. Ainda há tempo para os sanguinários dirigentes dos conflitos mundiais entenderem que o atual inimigo da humanidade não é o seu semelhante, mas a COVID-19, e é contra ela que o mundo deve voltar as suas atenções, unir seus conhecimentos científicos, produzir antígenos, capaz de erradicá-la de vez.

Artigo, de autoria do economista João Carlos M. Madail, Conselheiro do Corecon-RS e Diretor da ACP - Pelotas, publicado no Diário Popular de Pelotas, edição do dia 09 de abril de 2021.

Reforma da previdência de Porto Alegre: uma necessidade

A Emenda Constitucional n° 103/2019, que alterou o sistema da previdência social brasileiro, deixou para estados e municípios a competência para legislarem sobre muitas de suas próprias regras. E isso vem causando grandes dificuldades, como o que está ocorrendo em Porto Alegre.

As mudanças na previdência deixam evidentes aquela metáfora muito usada em economia: “o que é bom para a árvore nem sempre o é para a floresta”.

Para as pessoas, individualmente, o bom seria pagar uma contribuição reduzida e aposentarem-se cedo, com remuneração integral, mantendo a paridade com os servidores da ativa. Esse sistema é o que existe ou existia até pouco tempo, mas vem gradativamente sendo alterado, por ser incompatível com os orçamentos públicos.

As receitas públicas encontram limite no crescimento do PIB, cujas taxas vêm apresentando incrementos reduzidos, pelo baixo crescimento populacional e a diminuta produtividade das economias.

Os sistemas de repartição ainda predominantes apresentam um problema estrutural que se acentua a cada ano, que é a redução no número de contribuintes para o de beneficiários. No Estado do RS, por exemplo, baixou de 4 por 1 da década de 1970, para menos de 0,7 por 1, atualmente. A expectativa de vida aos 60 anos passou de 15 anos na década de 1980 para 22 anos atualmente, e continua crescendo.

A criação do regime de capitalização a partir de uma data de corte, como fez a nossa Capital e, posteriormente, a aposentadoria complementar, são as alternativas corretas, mas apresentam um alto custo de transição. Por exemplo, em 2020 foram despendidos a títulos de benefícios e contribuição patronal para os dois sistemas mais de R$ 1,4 bilhão ou 22% da receita corrente líquida e, só não foi maior pelas medidas tomadas em nível federal de combate ao coronavírus, com o congelamento da folha até o final do corrente exercício e as transferências de recursos.

O poder público tem uma demanda crescente de serviços na educação, na saúde em outras áreas, e não há como cobrar mais impostos da população, por razões que dispensam comentários. Do governo federal nada dá para esperar, diante da sua grave situação deficitária, que deve perdurar por vários anos ou até décadas.

Como não podemos manter constantes as regras que regulam uma realidade que constantemente varia, precisamos fazer reformas.

 

Artigo de autoria do economista Darcy Francisco Carvalho dos Santos, especialista em finanças públicas e conselheiro do Corecon-RS, publicado no Jornal do Comércio de Porto Alegre, de 25/03/2021.  Leia aqui

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