Cem dias de Bolsonaro

O povo mede os governos por seus resultados e não por suas ideias. Quem acompanha e pesquisa os aspectos institucionais e econômicos da gestão pública, sabe que a formulação, implementação e execução das políticas públicas terão mais sucesso por meio da participação da sociedade junto aos decisores políticos (abordagem bottom-up ou “de baixo para cima”), do que de uma forma centralizada (top-down ou “de cima para baixo”).

É diante desse dilema que se baseiam os cem primeiros dias do Governo Bolsonaro. O que se viu nos primeiros cem dias, sem nenhuma surpresa foi um governo eleito com base num discurso político de alteração profunda na forma de realizar a execução da gestão pública brasileira, desconsiderando o formato da estrutura de nossa República, o que acabou levando o governo a uma complicada relação com o Congresso e com a imprensa.

Muitos acham que as dificuldades do Governo Bolsonaro são problemas apenas do espectro político de direita. Pelo contrário. É um problema da direita, da esquerda e do centro, pois é um problema do País. A difícil agenda a ser implementada pelo governo que vai da reforma da previdência à reestruturação de outras áreas, não é necessária apenas para esta geração, mas também, para as gerações futuras de brasileiros. Melhorar a qualidade do gasto público, aumentar a produtividade da economia e a geração de renda, sem trazer a desestabilização econômica, são os resultados que os brasileiros esperam.

As ideologias são os vícios das ideias, resultando no obscurecimento da razão. Enquanto as ideologias e não os resultados forem as inspirações das políticas públicas, a sociedade brasileira não obterá o retorno que espera do governo que elegeu em 2018. Sem a compreensão e realização do jogo político junto aos parlamentares, que são os representantes da população, e sem respeitar o trabalho da imprensa, que junto com o congresso fortalecem e mantem a democracia brasileira, os restantes dos dias do atual governo e da realidade da sociedade brasileira infelizmente não serão diferentes.

Mário de Lima - economista, Doutor em Economia do Desenvolvimento CORECON-RS Nº 7103

Ata 221 do COPOM

O Banco Central, através do Comitê de Política Monetária, define a cada 45 dias a taxa básica de juros da economia, a taxa Selic, que é o principal instrumento de política monetária utilizado para controlar a inflação e, portanto, influência todas as taxas de juros no país.

Na reunião dos dias 19 e 20 de março de 2019, o Comitê decidiu pela manutenção da taxa básica em 6,5% a.a.. Segundo a Ata deste encontro, pelo aspecto da economia interna esta decisão levou em consideração uma atividade econômica aquém do esperado, demonstrado pelos seus indicadores, podendo produzir trajetória prospectiva abaixo do esperado para os agentes produtos.

Ainda, argumento apresentado no documento, a economia brasileira vem demonstrando uma recuperação gradual, existindo alto nível de ociosidade dos fatores de produção, representado pelos índices da capacidade da indústria e pela taxa de desemprego alta.

De acordo à Ata, o controle da inflação passa pela aprovação das reformas de natureza fiscal e ajustes necessários na economia que visem o aumento da produtividade, ganhos de eficiência, maior flexibilidade da economia e melhoria no ambiente de negócios, com efeito direto nos prêmios de risco e trajetória inflacionária no médio e longo prazos.

Pelo lado do cenário econômico externo, a Ata aponta elevados riscos para uma desaceleração da econômica global, com a Europa dando sinais de desaceleração econômica, e o Banco Central Norte-americano aguardando sinais de como a economia global irá se comportar nos próximos meses para atuar na política monetária.

Sendo assim, os membros do COPOM, optaram por uma condução com cautela e perseverança e, portanto, mantiveram taxa básica de juros para a economia brasileira, reafirmando na continuidade do processo de reformas e ajustes necessários na economia do Brasil, com reflexos de inflação baixa para o médio e longo prazos.

Neste documento, fica evidente a dependência das reformas da Previdência e Fiscal para um melhor desempenho da economia, na visão da nossa autoridade monetária que o Banco Central.

Artigo de autoria do Economista Daniel Menezes Gil

Reflexos da reforma da previdência

A reforma da previdência é indispensável para o saneamento das finanças estaduais, mas só resolverá, se for acompanhada de outras medidas de ajuste e crescimento econômico.

Porém, seu efeito será lento e gradual, por várias razões: mais de 60% dos vínculos estaduais são de inativos, sobre os quais a única ação possível é o aumento da contribuição, que no RS já está no percentual proposto de 14%. O Estado poderá adotar as alíquotas progressivas que vão até 16,79% em termos efetivos, para aqueles que recebem acima de R$ 5,8 mil. Poderá adotar também alíquotas extraordinárias, cujos parâmetros não estão estabelecidos.

Mais de 25% dos servidores ingressaram no Estado antes de 31 de dezembro de 2003 ou são da Brigada Militar, portanto, contemplados pela integralidade da remuneração e paridade com os ativos. Outros 11% ingressaram após a data citada e serão aposentados pela média das maiores remunerações em 80% do período laboral, sem paridade.

Todos os ativos, dentre outras exigências, serão alcançados pela mudança na idade mínima, sendo: mulher, de 56 para 62 anos e homem, de 61 para 65 anos. Da mesma forma, a professora passará de 51 para 60 anos e o professor, de 56 para 60 anos. Isso, no entanto, terá uma transição de 14 anos para as mulheres e de nove para os homens.

Os policiais civis e agentes penitenciários para os quais não havia exigência de idade mínima, passarão a ter 55 anos. Já os policiais militares, por seguirem os militares, deverão continuar beneficiados pela integralidade e paridade nos salários, o que é altamente negativo para as finanças estaduais.

Além do aumento da idade mínima, a grande mudança da reforma foi a introdução do cálculo do benefício pela média das remunerações de todo o período laboral e não mais das maiores em 80% do período, mas isso só valerá para os que ingressarem após a aprovação da reforma, cujos efeitos ocorrerão em 30 ou 40 anos.

No entanto, mesmo que a maioria dos efeitos venham ocorrer bem depois, isso não invalida a reforma, porque para atingir o destino deve haver um início.

Artigo do conselheiro do Corecon-RS, economista Darcy Francisco Carvalho dos Santos, publicado na página 19, de Zero Hora, do dia 28 de março.

Precisamos de PIB


O PIB gaúcho tem a menor taxa de crescimento médio por década dos últimos 120 anos. Um infinito labirinto econômico nos colocou com andarilhos repetidores de um constante e uníssono discurso de crise. A Economia Gaúcha encontra-se no espelho e enxerga uma imagem amarelada pelo tempo passado a lo largo das amargas intempéries das finanças públicas. O Tesoureiro – guardião da Fazenda - se tornou protagonista, nosso líder dessa infinita caminhada.

Enxugamos os gastos, cortamos atividades, renegociamos as dívidas, aumentamos impostos, fizemos concessões e privatizações e tudo parece mais um passo perdido dentro do labirinto. Nossa infraestrutura e serviços envelheceram tanto quanto nossa população. Ainda assim, o Tesoureiro ainda tem forças para pedir “- Reformas! Arrumem as regras que assim poderemos continuar caminhando.”. Enquanto isso, o peso do Estado enfraquece nossos ombros e empresas e jovens vão embora. Por descuido, alguém ainda sussurra no ouvido do Tesoureiro uma inovadora e idealista rota dentro do mesmo labirinto.

Não ligamos para o PIB - somente na Junta Comercial do Rio Grande dos Sul, 5.000 processos de abertura de empresas estão acumulados. Urge um projeto de desenvolvimento para rompermos as muralhas do labirinto. É óbvio que a prudência das finanças públicas deve continuar, mas precisamos voltar a crescer. Criar as grandes conexões entre os investidores, os empreendedores, educação e projetos, necessitamos abrir as fronteiras para demandas globais e para os turistas, integrar a pesquisa e inovação com os setores tradicionais da economia e liderar para um futuro melhor.

Esse deveria ser o mantra a entoar. O desenvolvimento econômico passa por criar um ambiente estimulador de negócios, investimentos, empreendedorismo, criatividade e inovação. Deixe o Tesoureiro continuar sua necessária pregação, mas precisamos de PIB para fazer com que o desenvolvimento econômico retome seu protagonismo.

Esse deveria ser o mantra a entoar. O desenvolvimento econômico passa por criar um ambiente estimulador de negócios, investimentos, empreendedorismo, criatividade e inovação. Deixe o Tesoureiro continuar sua necessária pregação, mas precisamos de PIB para fazer com que o desenvolvimento econômico retome seu protagonismo.

 

Artigo de autoria do ex-presidente do Corecon-RS, economista, professor e sócio-diretor da Job & Labor – desenvolvimento empresarial, publicado na página 29, de Zero Hora, de 21/03/55.

Reforma da Previdência ou mais impostos

Existe uma polêmica sobre a existência ou não de déficit na Previdência, que só pode ser explicada por um enorme reducionismo para tratar do assunto oupor má vontade para entendê-lo.

Os adeptos dessa ideia usam o argumento da existência das contribuições constantes do artigo 195da Constituição federal, criadas para financiar a Seguridade Social que engloba Previdência, Saúde e Assistência Social.

Os mesmos também acusam os governos de desvincularem parte dessas contribuições para usá-la livremente (DRU) e de atribuir à Seguridade Social despesas que não lhe pertencem, com destaque para a aposentadoria dos servidores públicos federais, além de conceder renúncias fiscais. Quanto às renúncias também discordamos, mas elas não geram receita só porque discordamos delas.

Admitamos com verdadeiros esses argumentos, mas consideremos as receitas e despesas pelos seus totais, onde uma transferência de uma área para outra não produz alteração, como se fossem dois pacotes que estão no mesmo prato de uma balança. A transferência do conteúdo de um para outro não altera em nada o peso total.

Em 2017 (não há dados para 2018), a despesa com Seguridade Social foi de R$ 950 bilhões e a receita líquida do Governo Geral foi de R$ 1.155 bilhões, o que correspondeu a82%. “Restaram”, então,18% que,deduzidos da vinculação com educação, na ordem de 5%, ficaram em apenas 13%. E se tomarmos somente a carga tributária nacional, “sobra” apenas 8%.

A pergunta que fica é como o Governo federal, com apena 13% dos recursos arrecadados, vai atender todos os demais ministérios, os outros Poderes, fazer investimentos, atender às necessidades emergenciais dos demais entes federados e, ainda, fazer grande superávit primário, para evitar o já alto crescimento da dívida?

A causa maior disso tudo é o déficit da Previdência que no ano passado atingiu R$ 285 bilhões, somando o Regime Geral e os servidores federais, sem falar nos déficits explosivos dos estados e de muitos municípios.
Diante disso, sem uma reforma profunda na Previdência, só resta a duas alternativas: inflação alta ouaumento de impostos.

 

Artigo de autoria do conselheiro do Corecon-RS, economista Darcy Francisco Carvalho dos Santos, publicado na página 25, de Zero Hora, de 15/02/2019..

Em breve, toda a receita nacional ira para a Seguridade e Previdência

 

Não precisa ser um “expert” para ver que com menos de 18% da receita líquida não dá para cobrir as despesas de todos os ministérios, exceto os três da Seguridade, de todos os Poderes,aplicar 4,5% da receita líquida em educação (18% da receita líquida de impostos), fazer investimentos e, ainda, formar superávit primário, sem o que a dívida explode!
É comum ouvir-se dizer que não há déficit na Previdência. Há até uma tese de mestrado ou doutorado nesse sentido. Recentemente aprovaram uma CPI que concluiu que esse déficit não existe.

Na realidade,quando dizem isso, estão querendo dizer que não há déficit na Seguridade Social, que é formada por Previdência, Saúde e Assistência Social, onde também existe grande déficit, conforme demonstrado mais adiante. O que existe é uma alquimia contábil nascontas da Seguridade Social que acaba transformando déficit em superávit.

Nem Previdência, nem Seguridade podem ser tomadas isoladamente, por maior que seja sua importância. Elas estão dentro de um contexto econômico e assim devem ser analisadas.

Como diz a frase em epígrafe, praticamente 88% do dinheiro do Governo Federal está sendo despendido dom Seguridade Social, devendo chegar aos 100% em pouco tempo,se nada for feito.

O problema previdenciário do governo federal é tanto no INSS, como no RPPS. No primeiro, há maior crescimento e no segundo há uma grande injustiça.

A situação dos estados também é trágica, pelo alto e crescente gasto com previdência.

E nos municípios, está sendo armada uma bomba financeira de consequências imprevisíveis para o futuro. É o que contém o texto maior.

 Leia artigo na íntegra em http://darcyfrancisco.com/2019/02/11/em-breve-toda-a-receita-nacional-ira-para-previdencia-e-seguridade-social/

 

Artigo do Conselheiro do Corecon-RS, economista Darcy Francisco Carvalho dos Santos

Recursos para Microempresas

Nas décadas de 1970 e 1980, o Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (Bndes), através de seus agentes financeiros credenciados, principalmente os bancos de fomento, possuía financiamentos aos microempresários com condições compatíveis de juros, prazos e garantias.

O Bndes poderia, em nível nacional, disponibilizar uma linha de crédito específica às microempresas, que desse a possibilidade no acesso ao crédito, sem burocracias, ao invés de garantias de imóveis (hipoteca), que fosse através de AVAL (dois avalistas).

Atualmente, uma tramitação de financiamento, no sistema Bndes, desde a análise até a liberação dos recursos, pode levar, em média, até 120 dias. Esse prazo poderia ser reduzido, no mínimo, pela metade, se houvesse uma análise diferenciada na concepção dos recursos aos microempresários, considerando que é um segmento que necessita de um apoio especial, pois gera muitos empregos e impostos à nossa economia.

O Bndes, como agente de fomento do país, tem o dever e a obrigação de conceder recursos acessíveis aos microempresários. Uma operação de crédito não pode levar mais de 60 dias para ser liberada. Esse auxílio certamente evitaria a informalidade, pois as empresas devem estar aptas à concessão do crédito, e necessitam comprovar a tomada do financiamento. Fica o registro, para que o Bndes possa, em 2019, implantar uma linha de crédito específica, com condições diferenciadas, ao segmento de microempresa (Bndes/Micro).


* Artigo do economista Carlos Alberto da Rosa Abel, publicado no Jornal do Comércio de 15/01/2019.

Congelar o teto

Sei que vou desagradar muita gente, mas não ficaria bem, se deixasse de expressar o que penso.
A remuneração dos membros do Supremo Tribunal Federal aumentou 16,38% o que não seria problema, não fosse a repercussão desse reajuste na remuneração de muitas categorias que estão no pico da pirâmide salarial.
Essas vão receber um aumento salarial no percentual citado, enquanto a maioria dos servidores do Poder Executivo que não recebe reajustes há quatro anos continuará não sendo contemplada e, ainda, recebendo os salários com atraso.
Ocorre que o Estado, mesmo não pagando a dívida com a União e tendo aumentado as alíquotas do ICMS de vários itens, tudo equivalente a mais de R$ 6 bilhões anuais, está atrasando salários, fornecedores e hospitais, que estão suspendendo procedimentos médicos básicos. Também só está conseguindo preencher a metade das vagas de policiais civis e militares e outros agentes da segurança pública, com sérios prejuízos à população.
O crescimento real da despesa previdenciária em mais de 5% ao ano, somado às demais vantagens funcionais dos servidores ativos, eleva o crescimento vegetativo da folha a patamares superiores ao do crescimento da receita. Com isso, o Estado não tem condições de repassar nem a inflação aos salários da quase totalidade dos servidores. Então, não seria justo conceder um reajuste três vezes a inflação exatamente aos que ganham mais.
Diante disso, proponho congelar o teto salarial ou reduzir sua relação com o teto federal, que baixaria dos 90,25% para 77,5%. Não reduziria salário de ninguém, apenas evitaria um aumento que sacrificará ainda mais os que ganham menos.
Devemos ter em mente que durante muitos anos ou décadas, até que surtam os efeitos de reformas que necessitam ser feitas, a situação das finanças piorará estruturalmente. Isso não quer dizer que alguma medida eventual e com duração efêmera não amenize o problema, mas essas soluções estão cada vez mais esgotadas.
Sei que para isso é necessário alterar a lei. Mas a lei não pode permanecer imutável diante de uma realidade que tanto mudou.

* Artigo do conselheiro do Corecon-RS, economista Darcy Francisco Carvalho dos Santos, publicado na Zero Hora de 04/12/2018.

Estado, esse desconhecido


Para entender as finanças estaduais, basta fazer uma continha simples, assim: de cada R$ 100 arrecadados, R$ 50 são gastos automaticamente ou têm destinação específica. As demais despesas correspondem a R$ 65, restando, portanto, R$ 15 a descoberto. Só que, para gerar esses R$ 15, é necessário aumentar em mais de R$ 25. E isso não ocorre de uma hora para outra. Precisa-se de um longo período de aumento de receita e de contenção de despesa.

Essa situação estava melhorando, mas retrocedeu a partir de 2011, quando a folha de pessoal dobrou de valor, ao passar de R$ 13,4 bilhões para R$ 27,1 bilhões em 2017, sendo 123% por conta dos gastos previdenciários, quando a inflação foi de 54%. Desse aumento, parcela de R$ 5,5 bilhões ocorreu no governo atual, sem que decorresse de decisão sua.

Nem o reajuste das alíquotas de ICMS (R$ 2,3 bi) e a suspensão do pagamento da dívida (R$ 4 bi) foram suficientes para evitar o atraso da folha do pessoal do Poder Executivo, que também não recebeu reajustes salariais, exceto os que foram concedidos no governo anterior.

Agora está na Assembleia o pleito de reajuste dos demais poderes, os únicos que vêm sendo compensados pela inflação passada e recebem os pagamentos em dia. É verdade que, embora eles recebam as maiores remunerações, não foram os responsáveis por esse crescimento exagerado da folha acima citado.

Seria justo atender a esse pleito se, no mínimo, o Estado estivesse conseguindo pagar em dia os demais servidores. Mas não é isso que está acontecendo. Além disso, há outro pleito para o reajuste automático dos membros de poderes.

Tudo isso seria defensável numa situação de equilíbrio orçamentário, em que os orçamentos fossem elaborados respeitando- se as necessidades de todos os poderes e que o repasse dos recursos financeiros obedecesse ao ingresso efetivo dos recursos e não a uma previsão orçamentária que não se realiza.

Enquanto não nos apercebermos de tudo isso, continuaremos em crise. Precisamos, acima de tudo, entender melhor o Estado, que, para a maioria das pessoas e dos que exercem uma função pública, é um grande desconhecido.

* Artigo do conselheiro do Corecon-RS, economista Darcy Francisco Carvalho dos Santos, publicado na página 23, de Zero Hora, de 07/11/2018

Talvez Bolsonaro saiba o que está fazendo

 Voltando para casa, depois da guerra de Troia, Ulisses ordena que sua tripulação o amarre junto ao mastro do navio e pede que o resto da tripulação coloque cera de abelha nos ouvidos para que não escutem som algum. Essa decisão foi tomada para evitar que tanto os marujos quanto seu capitão fossem atraídos pelo canto das sereias que seduziam os marinheiros desavisados, fazendo-os naufragarem nos rochedos.

Da mesma forma, um presidente também é constantemente tentado pelo canto das sereias. No caso do Brasil, temos três que são irresistíveis. A primeira são os lobbies das diversas corporações, como o funcionalismo público para manutenção de privilégios, dos grandes empresários em busca de subsídios e crédito barato e dos sindicatos atrás de benefícios. A segunda são os políticos corruptos que desejam manter o "business as usual" da política, o "toma lá dá cá" e, claro, a impunidade. A terceira é uma sereia que tenta o presidente a desrespeitar as instituições do país, sempre por "motivos nobres", é claro, e que leva o país a passos de formiga para o autoritarismo.

No caso de um presidente, o problema é ainda pior do que o enfrentado por Ulisses, pois não é somente necessário resistir à tentação, mas também mostrar publicamente que está resistindo. Para isso, ele precisa mandar sinais à população de que, de fato, ele está preso no mastro do navio.

Talvez seja exatamente isso que Bolsonaro esteja fazendo quando, ao que tudo indica, busca sustentar seu governo em três nomes de peso: Paulo Guedes na Economia, Sergio Moro na Justiça e o general Heleno na Defesa. Cada ministro é como se fosse uma corda específica para se manter longe de cada uma das sereias. Com Guedes, ele promete não cair na tentação de "atalhos" heterodoxos na economia, com Moro ele promete não ser seduzido pelo canto dos políticos corruptos em busca de salvação e, finalmente, quem seria melhor para limitar potenciais aspirações autoritárias de um capitão do que um dos mais respeitados generais no comando da Defesa?

Seria um cenário otimista demais? Talvez. Ainda é cedo para saber se essas cordas serão fortes o bastante para ancorar nosso presidente e impedir que o Brasil naufrague.

* Artigo do conselheiro do Corecon-RS, economista Guilherme Stein, publicado na página 23 de Zero Hora, do dia 07/11/2018

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