Colcha de Retalhos
É assim que estudiosos respeitáveis de pobreza chamam nossa rede de proteção social. Ela é o resultado de uma construção histórica de programas decorrentes de justas demandas sociais de cada época. O problema é que pouco conversam e evoluem ao longo do tempo, deixando muitas famílias vulneráveis, expostas aos mesmos riscos, com distintos níveis de acesso e cobertura.
Um estudo publicado pelo IPEA, em 2019, certamente, esteve na base teórica do Renda Brasil. Tão interessante quanto a própria proposta – combinação de benefícios universais com adicionais para famílias pobres com crianças de até três anos de idade (política pública baseada em evidências), são os dados sobre a cobertura dos programas no radar da unificação.
Bolsa Família, Salário Família, Abono Salarial e o gasto tributário associado às deduções do imposto de renda por dependente criança/adolescente, somavam, em 2017, o montante de R$52,76 bilhões. Em comum, todos estes programas têm, entre os objetivos centrais, a proteção contra os agravos da pobreza. Mesmo assim, 6,8 milhões de crianças do terço mais pobre das famílias brasileiras estavam sem acesso a nenhum deles.
Critérios disfuncionais de seleção dos beneficiários e diferentes montantes distribuídos pelos programas estão no cerne da questão. Salário Família e Abono Salarial, por exemplo, são atrelados à participação no mercado formal de trabalho. Não faz sentido. Informalidade é traço marcante de pobreza em países de renda média. Os mais pobres estão constantemente expostos às oscilações da economia sem acesso aos benefícios que um emprego formal oferece (seguro desemprego, FGTS, etc.). A pandemia causada pelo COVID-19 ilustra essa obviedade.
A unificação dos programas para racionalização e incremento de qualidade na focalização da rede proteção social ficou para o futuro. Ao menos o debate foi posto. A redução da pobreza e a quebra de sua persistência intra e intergeracional passa pelo aperfeiçoamento dos programas que já temos. É tema importante demais para figurar apenas na agenda de governo, deve ser prioridade de Estado.
Artigo de autoria do conselheiro do Corecon-RS, economista Felipe Garcia Ribeiro, publicado na Zero Hora, do dia 18/09/20, página 21.