A educação financeira é cada vez mais relevante na vida das pessoas. O que antes era tratado como tema apenas de “magnatas” e grandes empresários, falar sobre dinheiro - ou da falta dele - torna-se mais comum e necessário entre pessoas de todas as camadas sociais. E é notável o esforço de quem está buscando fazer o salário render ao longo do mês. Hoje não basta apenas ter uma renda, mas o cidadão deve aprender como geri-la de uma forma ótima.
Segundo a OCDE (Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico), a educação financeira pode ser definida como "o processo pelo qual consumidores/investidores financeiros aprimoram sua compreensão sobre produtos, conceitos e riscos financeiros e, por meio de informação, instrução e/ou aconselhamento objetivo, desenvolvem as habilidades e a confiança para se tornarem mais conscientes de riscos e oportunidades financeiras, a fazer escolhas informadas, a saber onde buscar ajuda, e a tomar outras medidas efetivas para melhorar seu bem estar financeiro". A Organização inclui no documento de Recomendação sobre os Princípios e as Boas Práticas de Educação e Conscientização Financeira que isso vai além do fornecimento de informações e do aconselhamento financeiro, e diz que é uma atividade que deve ser regulada por conta de tratar de clientes financeiros, por envolver uma série de questões como sigilo de dados, por exemplo. Também diz que os programas de educação financeira devem se concentrar em questões de alta prioridade do planejamento, bem como pré-requisitos para conscientização financeira, como noções de matemática financeira e economia. O que faz com que este assunto seja de fundamental importância aos economistas, que não ficam alheios a estas importantes questões que envolvem o conhecimento do tema e a luta por medidas que ainda não foram completamente alcançadas neste âmbito, mesmo sendo um conteúdo relativamente novo dentro do espectro das ciências econômicas.
Durante o período em que trabalhei em um banco, percebi que a falta de educação financeira da população se fazia presente em todos os níveis sociais, independente de renda. Todos precisavam entender melhor sobre o dinheiro e o sistema que o envolvia. E o público que percebi que mais precisava entender sobre essa relação foi o feminino, talvez por identificação com “a mocinha que atende nas mesas do banco”. Alguns casos chamaram atenção: os vários casos de viúvas que me confidenciaram não saberem lidar com as questões financeiras após o falecimento do marido; jovens que, ao casarem, sempre deixavam o esposo como primeiro titular da conta; a senhora que não entendia como a instituição financeira tinha a “audácia” de cobrar juros de uma aposentada. E não parava por aí. Quando deixei o banco e resolvi trabalhar com educação financeira em consultorias, continuava: mulheres que precisavam organizar as suas finanças pois haviam sido demitidas ao voltarem da licença maternidade; casos de descontrole financeiro e compras por impulso; a mulher que trabalhava e entregava o seu salário para o marido administrar; produtos e aplicações financeiras mal vendidas ou como venda casada. Isso acontece diariamente. E, assim, a todo momento uma mulher está deixando dinheiro na mesa, investindo mal, perdendo a sua capacidade de fazer boas escolhas, ou até mesmo perdendo a sua vida em um relacionamento abusivo por não ter o poder e o conhecimento em fazer e gerir o próprio dinheiro. Também acompanhei a disseminação dos blogs, criei um, vi a velocidade do compartilhamento das informações e o crescimento dos conteúdos voltados ao universo feminino, como moda e beleza, o qual há grande influência do marketing. Assim, eu via mulheres se endividando para ter tudo que viam nas redes sociais. Foi assim, diante da necessidade de levar o conhecimento para as mulheres, que o blog tomou a forma que tem hoje: A Economista de Batom é trata de assuntos relacionados à economia e finanças, empreendedorismo e empoderamento, bem como processos de escolhas e comportamento. O objetivo é que haja cada vez mais “batom” nas mesas de reuniões, pois a mulher não precisa perder a sua identidade para ser profissional e “que no vermelho fique só a cor do batom”, frase que uso para designar os cuidados com as suas finanças.
Considerando a evolução histórica das conquistas femininas, ainda é muito recente a possibilidade que a mulher tem de fazer escolhas por si mesma. A maioria, que antes cumpria o seu papel na sociedade apenas como cuidadora do lar e dos filhos, hoje tem seu papel de boa gestora reconhecido através de algumas pesquisas, como o estudo “Mulheres São Melhores Líderes Durante a Crise”, realizado pela “Harvard Business Review”, que apontou que cargos de liderança ocupados pelo sexo feminino demonstram maior eficiência na solução de problemas em tempos de crise. E isso também foi reconhecido na administração de países com lideranças femininas durante a pandemia. Assim como outro estudo que demonstra de que forma a presença de mulheres na alta administração se relaciona com o desempenho ESG (do inglês: avaliação ambiental, social e da governança) de empresas brasileiras. Os resultados indicam que, ainda que o número de mulheres nestas posições seja muito baixo, a presença delas no comitê executivo está associada a um melhor desempenho socioambiental.
Segundo o IBGE, as mulheres somavam 52,2% da população no Brasil em 2019, também eram maior número entre os idosos. Acontece que o gênero feminino ainda é maioria no Brasil, porém, mesmo em meio às transformações ocorridas ao longo do último século, como o crescimento da participação feminina no mercado de trabalho, grau de escolarização e acesso à informação, ainda seguem dedicando relativamente mais tempo aos afazeres domésticos e aos cuidados de pessoas, o que faz com que elas venham a empreender por necessidade, trabalharem informalmente ou em empregos com turnos reduzidos. As mulheres também atingem em média um nível de instrução superior ao dos homens, por outro lado, a mesma pesquisa mostrou que as mulheres brasileiras receberam cerca de 77,7% do rendimento dos homens.
A entrada tardia da mulher no mercado de trabalho e as motivações pelas quais isso se deu são considerações a serem feitas. Muitas mulheres se viram sozinhas nos tempos de guerra e precisaram tratar de assuntos financeiros mesmo sem ter conhecimento. Os tempos são outros, mas pouco mudou. As mesmas habilidades que fazem delas boas líderes e estudarem mais também são as mesmas soft skills (habilidades comportamentais) que fazem com que sejam mais consideradas a cuidarem dos filhos e, assim, dispõem de menos horas dedicadas ao trabalho. E esse perfil cuidadoso, colaborativo, empático e multiplicador também faz com que seja a mulher que realize a gestão dos recursos financeiros da casa - herança da época do “homem-provedor”. Por outro lado, segundo o Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea), o percentual de domicílios brasileiros chefiados por mulheres saltou de 25%, em 1995, para 45% em 2018, devido, principalmente, ao crescimento da participação feminina no mercado de trabalho. E apesar da desigualdade salarial entre gêneros ainda persistir fortemente, contribuem cada vez mais com a renda das famílias. Além disso, o estudo do painel de domicílios da Nielsen (empresa global de análise de consumo) explorou o comportamento da mulher brasileira no último trimestre de 2018: 96% são responsáveis pelo consumo dos lares, ou seja, a mulher é quem faz a gestão do orçamento doméstico e escolhe como gastar, mostra também a tendência em reduzir os gastos em tempos de crise para ter maior controle do orçamento.
Assim, aquela fama da “mulher é gastadeira” torna-se cada vez mais compreensível, ainda que não mais justificável, diante do fato da mulher se tornar cada vez mais responsável pelas finanças, ter mais gastos pessoais (e mais elevados) do que os gastos masculinos. Essa falsa visão da relação das mulheres com o dinheiro precisa ser desmistificada. Acredito na educação financeira para as mulheres por serem naturalmente multiplicadoras de informações, também para que possam ser livres de relacionamentos abusivos e de trabalhos que não as dignifiquem. Acredito na educação financeira tratada de forma comportamental, sistêmica e prática, aplicada às empreendedoras, empresárias, aos casais, às crianças, jovens e idosos.
Estudo do Banco Mundial (The impact of high school financial education–experimental evidence from Brasil) em um projeto piloto de educação financeira aplicado no ensino médio, entre 2008 e 2010, na rede pública dos estados do Ceará, Minas Gerais, Rio de Janeiro, São Paulo, Tocantins e do Distrito Federal, concluiu que a experiência de se informar sobre finanças produziu mudanças significativas. Analistas do Banco Mundial constataram o aumento de 1% do nível de poupança dos jovens que passaram pelo programa; 21% a mais dos alunos passaram a fazer uma lista de acompanhamento dos gastos; 4% a mais dos alunos passaram a negociar os preços e meios de pagamento ao realizarem uma compra. E temas como orçamento, planejamento e taxas bancárias entraram na pauta das famílias por causa dos deveres de casa. O relatório concluiu ainda que esse resultado indica que jovens educados financeiramente podem contribuir para o crescimento de 1% do PIB do Brasil. A educação financeira, como consta nos princípios do Relatório da OCDE, “deve ser considerada no arcabouço regulador e administrativo e deve ser tida como ferramenta para promover crescimento econômico, confiança e estabilidade”.
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Artigo de autoria da economista Janile Soares, publicado na Revista dos Economistas (Cofecon), do mês de Julho (p.56-57). Janile é consultora e educadora financeira, autora do blog A Economista de Batom, cofundadora da Build Planejamento Financeiro, conselheira e coordenadora da Comissão de Educação Financeira e Empreendedorismo, do Corecon-RS.